7. A Evolução da Comunicação entre e com Surdos no Brasil
Resumo:
Os indivíduos surdos estão sociedade há séculos, entretanto sua história foi sempre repleta de dificuldades, da proibição até a legitimação da língua de sinais no Brasil. Este estudo apresenta um breve relato histórico da trajetória dos indivíduos surdos na superação dessas dificuldades, evidenciando que, com os passar do tempo, estes indivíduos vão vencendo as dificuldades que se apresentam com muito esforço e luta.
Palavras-chave: surdos, educação, língua de sinais
ABSTRACT: Deaf people are in society for ages, but their history was always full of difficulties, since the prohibition of sigh language in Brazil to its recognition as an official language. This study presents a brief historical report about the deaf people history in order to overcome the hardships presented due to their condition, highlighting that, as time passes, these individuals have made great efforts to master such difficulties.
Keywords: deaf people, education, sign language
A história do povo surdo foi sempre cheia de dificuldades. No passado, foram considerados, geralmente, ineducáveis. Portanto, faremos um breve relato histórico, de toda uma trajetória repleta de dificuldades que, com o passar dos anos, estão sendo vencidas com esforço, luta e força de vontade por parte dos indivíduos surdos.
Aristóteles (384-322 a.C), conforme Guarinello (2007, p. 19), difundia que as pessoas surdas não podiam expressar nenhuma palavra e que, para atingir a consciência humana, a audição era o canal mais importante para o aprendizado. Seu veredito era de que os surdos não eram treináveis. E esse conceito permaneceu por séculos sem questionamentos.
A crença do povo romano era de que, os surdos, por não falarem, não podiam fazer testamentos e necessitavam de um curador para tratar de todos os seus negócios. Assim, no passado, os surdos eram considerados incapazes pelas sociedades.
De acordo com Rinaldi (1998), no final do século XV, não existiam escolas especializadas para surdos, as pessoas ouvintes tentavam ensinar os surdos a falar e a escrever, como, por exemplo, Giralamo Cardomo, italiano que usava a linguagem escrita e sinais e o Padre espanhol beneditino Pedro Ponce de Leon, que utilizava treinamento de voz, leitura dos lábios e sinais com os surdos da época.
Segundo o mesmo autor (1998, p. 283), alguns professores nos séculos seguintes dedicaram-se à educação dos surdos. Entre eles destacaram-se: Ivan Pablo Bonet (Espanha); Abbé Charles Michel de L’Épée (França); Samuel Heinicke e Moritz Hill (Alemanha); Alexandre Graham Bell (Canadá e EUA) e Ovide Decroly (Bélgica). Todos eles divergiam quanto ao método mais indicado para ser adotado no ensino dos surdos. Uns acreditavam que o ensino deveria priorizar a língua falada (Método Oral puro) e outros utilizavam a Língua de Sinais – já conhecida pelos alunos – e o ensino da fala (método combinado). No Século XVII, o abade L’ Epée reuniu surdos dos arredores de Paris e criou a primeira escola pública, foi o precursor no uso da Língua de Sinais. A metodologia utilizada por ele fez sucesso, mas, infelizmente, teve curta duração pelo fato de ter sido desacreditada pela Medicina e pela Filosofia.
A pesquisadora Guarinello (2007) também apresenta alguns dados importantes no seu livro: “O papel do outro na escrita de sujeitos surdos”, como por exemplo:
No Brasil, a educação de surdos teve início no governo Imperial de D. Pedro II, quando o professor francês Hernest Huet, a convite de D. Pedro II, veio para o Brasil para fundar a primeira escola para meninos surdos. Seguidor da idéia do abade L’ Epée1(Charles Michel L’Espeé, nasceu em 1712 e foi ordenado sacerdote em 1738), Hernest Huet nasceu na França em 1822 e ficou surdo aos 12 anos de idade.
A respeito dessa questão Rinaldi (1998, p.283) aponta que a carta de intenções do professor surdo francês Hernest Huet sobre a fundação do Instituto, dirigida ao Imperador D. Pedro II, encontra-se no Museu Imperial de Petrópolis – Estado do Rio de Janeiro, atualmente, Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Inaugurado no dia 26 de setembro de 1857, o prédio foi projetado pelo arquiteto francês Gustav Lully, construído em estilo neoclássico e funciona desde 1915. O Instituto recebeu o nome de Imperial Instituto de Surdos-Mudos e foi criado pela Lei nº 839, de 26 de setembro de 1857. Somente pessoas surdas do sexo masculino eram acolhidas. Foi dirigida por Ernest Huet, no período de 1857 a 1861. Conforme Vasconcelos (1978, p.20), com o advento da República, recebeu o nome de Instituto Nacional de Surdos-Mudos e posteriormente, com os progressos alcançados na recuperação de surdos, transformou-se no Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES2, que é atualmente um centro nacional de referência.
Por muitos anos essa foi a única instituição oficial que recebeu alunos surdos de todo o Brasil e de países da América Latina. Em 1951, o Ministério da Educação (MEC) promoveu a instalação de cursos especializados para formação de professores. Segundo Rinaldi (1998, p.284):
Desde então os surdos no Brasil passaram a poder contar com o apoio de uma escola especializada para a sua educação, obtendo a oportunidade de criar a Língua Brasileira de Sinais (Libras), mistura da língua de sinais francesa com os sistemas de comunicação já usados pelos surdos das mais diversas localidades brasileiras. Atualmente o Instituto é um Centro Nacional de Referência na área da surdez. Com todas as instruções passadas em Libras (Língua Brasileira de Sinais), o Instituto ainda ministra o português como segunda língua.
Retornando à época de 1880, segundo Nogueira (1997), no segundo Congresso Internacional sobre Educação de Surdos em Milão, Itália, foi endossado o método oral puro. Nesse congresso concluiu-se que, todos os surdos deveriam ser ensinados pelo método oral, o oralismo. De acordo com Vasconcelos (1978, p.20), um defensor importante desse método oral foi Alexander Graham Bell, inventor do telefone.
Nessa ocasião, a Língua de Sinais foi oficialmente abolida, proibida de ser utilizada na educação de surdos. Na Biblioteca Central do INES no Rio de Janeiro, podemos encontrar raridades como os Anais do Congresso de Milão, de 1880, em que consta a defesa que Gallaudet fez da língua de sinais, até ser por fim derrotado. Em 1881, essa proibição se estendeu ao Brasil. Mas, apesar da proibição do uso da língua de sinais, os surdos continuaram a usá-la escondidos. Atualmente, os surdos educados por esse método contam dos horrores e das perseguições que sofreram ao usarem a língua de sinais.
Conforme Rinaldi (1998), o professor A.J. de Moura e Silva do INES, a pedido do Governo Brasileiro, viajou para o Instituto Francês de Surdos em 1896, para avaliar a decisão do Congresso de Milão de 1880 e concluiu que o método oral puro, oralismo, não era adequado para todos os surdos. Decorridos cem anos, no Congresso Internacional da Alemanha houve uma atitude positiva em relação à Língua de Sinais que, mesmo durante a opressão oralista, conseguiu manter-se viva.
No Brasil, em 1951, foi criado o primeiro curso normal para professores (área de surdez) e no ano seguinte, a fundação do Jardim de Infância para crianças surdas no INES.
Em 1972, a educação especial passou a ser uma área prioritária para o governo brasileiro. Objetivos e estratégias de atuação nesse campo foram estabelecidos. Já em 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), para coordenar em nível federal as iniciativas no campo da educação especial. O centro pesquisou dados para elaborar as suas estratégias de ação para a identificação, diagnóstico, tipos de atendimento, currículos, equipamentos e aperfeiçoamento de pessoal técnico especializado. Assim, a educação especial foi caracterizada como educação diferenciada com novos objetivos e perspectivas. O internato deixou de ser considerado como ideal para o indivíduo surdo, pois não oferecia oportunidades de convivência com seus familiares e amigos para constituir a base de todo o desenvolvimento de integração com a sociedade.
Em 1980, a Universidade Federal de Pernambuco iniciou os Estudos Linguísticos sobre a Língua de Sinais, sendo elaborado o primeiro boletim intitulado: Grupo de Estudos sobre Linguagem, Educação e Surdez (GELES). Em 1986, a Língua de Sinais passou também a ser defendida no Brasil por profissionais influenciados pelos estudos divulgados pela Gallaudet University3, que utiliza a Língua Americana de Sinais (ASL).
Nessa mesma época, a língua de sinais utilizada pelos surdos das capitais do Brasil foi denominada com a sigla LSCB - Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros. Também foi descoberta por um linguista americano do Summer Institute e posteriormente pesquisada pela Doutora Lucinda Ferreira Brito, a existência de outra língua de sinais no Brasil, a Língua de Sinais dos índios Urubus-Kaapor (LSUK) no Estado do Maranhão.
No dia 16 de maio de 1987, foi criada a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). Entidade que trabalha em prol da sociedade surda garantindo a defesa dos direitos linguísticos e culturais dessa população.
A FENEIS propaga a importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio natural de comunicação das pessoas surdas. Possui também outros objetivos, como, por exemplo: a inclusão dos profissionais surdos no mercado de trabalho e realiza pesquisas para a sistematização e padronização do ensino de Libras para ouvintes. Essas pesquisas resultaram na publicação dos livros: “LIBRAS em Contexto – Livro/fita do estudante” e “Libras em Contexto – Livro/fita do Instrutor/Professor”. Esses materiais produzidos são publicados para a capacitação de instrutores surdos. Em 2001, em Brasília, foi oferecido um treinamento para 76 professores surdos, para atuarem na rede oficial de ensino do DF, experiência inédita do Ministério da Educação - MEC.
No século XX houve um aumento significativo de escolas para surdos em todo o mundo. No Brasil, mudanças significativas ocorreram a partir da aprovação da Lei n° 10.436 4, de 24 de abril de 2002 e posteriormente com a assinatura do Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e do Ministro da Educação, Fernando Haddad no Decreto de Lei de Libras nº. 5.626/20055, no dia 22 de dezembro de 2005.
Todas essas vitórias levaram à realização de um primeiro Seminário, nas Faculdades Integradas do Rio Branco, em São Paulo, no dia 23 de março de 2006, onde ocorreram discussões importantes sobre o decreto 5.626/2005. O evento contou com a participação do Sr. Neivaldo Augusto Zovico – Diretor Regional da Federação Nacional e Integração dos Surdos/São Paulo e Conselheiro do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência, que proferiu uma palestra. O objetivo do Seminário, de acordo com a Comissão Organizadora, foi oferecer subsídios aos profissionais para se adequarem à lei que torna obrigatória a inclusão da Libras como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia de instituições de ensino públicas e privadas. Além do direito à educação, o decreto garante o direito à saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, assim como define o papel do poder público e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos no apoio ao uso e difusão da Libras.
A revista da FENEIS nº. 27/2006 publicou outro evento relevante: trata-se do 5º Simpósio de Surdos “Entendendo melhor a comunicação com surdos, teoria e prática”. Tema amplamente discutido por palestrantes, como: Rodrigo Rocha Malta, da FENEIS/BH; Luciano de Souza Gomes, Diretor Regional da FENEIS (TOT), Marianne Stumpf, Diretora de Políticas Educacionais da FENEIS; e Shirley Vilhalva, do Conselho de Administração da FENEIS (surdos) e a linguista Tanya Amara Felipe. Outros temas também entraram na pauta de discussão como: “A importância da Associação na vida dos surdos”; “Português como L2 para os surdos no ensino especial e regular”; “Libras em Contexto”; “Formação do Intérprete e Código de Ética”; “O papel das Associações na formação do Surdo”; entre outros. No encontro, conforme cita a revista, a aprovação do Decreto n° 5.626 foi bem recebida pela comunidade surda (2006, p.6):
Vitória!!!! A Comunidade Brasileira dos Surdos está muito alegre! Isso porque foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei de Libras. Eu e a diretoria da Feneis queremos dar os parabéns e agradecer especialmente a professora Marlene Gotti pela luta na defesa da Língua Brasileira de Sinais. Queremos também agradecer a professora Claudia Dutra, Secretária de Educação Especial. Grato pela atenção, Antônio Campos de Abreu - Conselheiro do Conade e representante da Feneis (Belo Horizonte).
No dia 27 de agosto de 2006, foi realizado o do primeiro processo seletivo para ingresso no programa especial de Licenciatura em Letras – Libras, coordenado pela Comissão Permanente do Vestibular - COPERVE- da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), modalidade de ensino à distância. Foram oferecidas 500 vagas, distribuídas entre os polos de ensino de: Brasília - Universidade de Brasília (UnB), Goiânia - Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET - GO), Fortaleza - Universidade Federal do Ceará (UFC), Manaus – Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Rio de Janeiro - Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Salvador - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Santa Maria (UFSM) e São Paulo - Universidade de São Paulo (USP) com 55 vagas cada uma e Florianópolis - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com 60 vagas.
No ano de 2008, a UFSC realizou o segundo processo seletivo para ingresso nos cursos de: Licenciatura em Letras – LIBRAS e Bacharelado em Letras – LIBRAS. Foram oferecidas 900 vagas. O aumento de vagas oferecidas, nesse segundo processo de seleção, foi devido à criação do curso de Bacharelado em Letras – LIBRAS e à expansão dos polos de ensino. Conforme o Edital número 01/COPERVE/2008, os polos de ensino estão localizados em: Belém - Universidade Estadual do Pará (UEPA), Manaus – Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Belo Horizonte - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Brasília - Universidade de Brasília (UnB), Campinas/SP - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Curitiba - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Dourados/MS - Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), Florianópolis - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fortaleza - Universidade Federal do Ceará (UFC), Goiânia - Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET - GO), Natal - Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET - RN), Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Recife - Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Rio de Janeiro - Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Salvador - Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Vitória - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) com 30 vagas para cada curso oferecido (Licenciatura e Bacharelado).
Acreditamos que, todas as pessoas surdas devem ser respeitadas e ter garantias de um tratamento digno como cidadãos.
Referência Bibliográfica
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