Ano 1 - Nº 1 - 1/2007

5. O Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil - Período de 1808 - 1930

Resumo:
Este artigo descreve o lugar das línguas estrangeiras no contexto educacional brasileiro no período que se estende desde a chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 até o início da Era Vargas em 1930, tendo como aporte teórico Almeida Filho (2003), Chagas (1982), Oliveira (1999) e Romanelli (2005). Retrata as mudanças ocorridas com a chegada da Corte Real, afundação do Colégio Pedro II – 1837, as reformas educacionais no período do Império e na República (até 1931), desde a Reforma Couto Ferraz à Reforma Francisco de Campos e traz um quadro com reformas e a redução gradativa da carga horária dos idiomas.

Palavras-Chave: ensino de língua estrangeira, ensino no Império e República, reformas no ensino de línguas.

ABSTRACT: This paper describes the part of foreign languages in Brazilian educational context since the Portuguese royal family arrival in Rio de Janeiro in 1808 to the beginning of Vargas Era in 1930, having theoretical contributions from Almeida Filho (2003), Chagas (1982), Oliveira (1999), and Romanelli (2005). It portrays changes occurred from the court arrival, the foundation of Pedro II school – 1837, the educational reforms in the Empire period and in the Republic (until 1931), since Couto Ferraz Reform to Francisco de Campos Reform on, and conveys a chart with the reforms and the gradual reduction of languages workload.

Keywords:foreign language teaching, teaching in the Empire and Republic, reforms in language teaching

Introdução

Um dos marcos iniciais na história do ensino oficial de línguas estrangeiras no Brasil deu-se com a assinatura do Decreto de 22 de junho de 1809, pelo Príncipe Regente de Portugal D. João VI, recém-chegado ao Brasil, criando, assim, as cadeiras de inglês e francês. 

Chagas (1982) analisa o percurso histórico do ensino de línguas no Brasil dividindo-o em duas fases distintas: “antes de 1931” e “depois de 1931”, devido à criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930, seguida da Reforma Francisco de Campos nesse ano de 1931.

Almeida Filho (2003) reconhece dois macro-períodos: o Período Ontem e o Período Hoje. O Período Ontem subdivide-se em Ontem Longínquo (1500-1808), Ontem Próximo (1808-1930) e Ontem Moderno (1931-1978). O período subseqüente é o Período Hoje, que coincide com o movimento comunicativista no Brasil (1978), cuja abordagem é um paradigma para a formação de professores de línguas e “para a pesquisa aplicada dos processos vitais de ensino e aprendizagem de língua voltados para a aquisição” (ALMEIDA FILHO, 2005).

O nosso objetivo é descrever o lugar das línguas estrangeiras no contexto educacional brasileiro no período Ontem próximo, que se estende desde a chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 até o início da Era Vargas (1930), tendo como aporte teórico Almeida Filho (2003), Chagas (1982), Oliveira (1999) e Romanelli (2005).


O Ontem próximo (1808-1930)

Tentaremos descrever o período destacando alguns pontos importantes para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil e que servem de pano de fundo para o nosso relato. Vale ressaltar a chegada da Família Real no Rio de Janeiro (1808), a fundação do primeiro estabelecimento oficial de estudos secundários (o Colégio Pedro II em 1837), a Proclamação da República velha (1889) que se estende até o início da Era Vargas (1930).


A chegada da Família Real no Rio de Janeiro - 1808

No início do século XIX o quadro Europeu era o seguinte: de um lado a França Napoleônica com fortes pretensões de expansão continental. Do outro lado, a Inglaterra em fase de euforia industrial, aliada à Áustria, Prússia e Rússia, potências absolutistas que temiam a fermentação dos ideais da Revolução Francesa.

Por causa da invasão de Portugal por tropas napoleônicas, o príncipe regente Dom João determinou a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, aonde chegou em princípios de março de 1808, já transformando a colônia em Reino.

Devido à abertura dos portos para o comércio estrangeiro em 1808, o inglês passou a ter expressiva finalidade prática durante os anos correspondentes ao reinado de D. João VI no Brasil (1808-1821).

Com a chegada da Corte Real, foram necessárias transformações na infra-estrutura cultural: o Teatro Real São João, a Biblioteca Pública e o Museu Nacional, a vinda da missão cultural francesa com Taunnay, Debret, Lebreton, que seriam responsáveis pelo primeiro Salão Nacional de Belas-Artes, a criação do horto real (hoje Jardim Botânico), a contratação de técnicos estrangeiros para pesquisas minerais (Varnhagem, Von Eschwege), a implantação de uma imprensa (Imprensa Régia) onde seria publicado o primeiro jornal do país, A Gazeta do Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 1999).

Houve sensíveis mudanças educacionais, sendo a principal delas a instituição dos primeiros cursos superiores não-teológicos: Academia de Ensino da Marinha, Academia Real Militar, Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios (ROMANELLI, 2005). 

O sistema educacional brasileiro passou por sucessivas reformas no período do Império e na República (até 1931), nas quais percebe-se a redução gradativa da carga horária dos idiomas (quadro 1).

Na primeira metade do século XIX, o latim e o grego eram as disciplinas dominantes na escola secundária, que possuía como traço fundamental da instrução as mesmas linhas básicas do século XVI: tradução de textos e análise gramatical (CHAGAS, 1982). Segundo Leffa (1999), essa metodologia era utilizada também no ensino das línguas modernas, resultado de “sérios problemas de administração”. 

Em 1831, a língua inglesa passou a ser exigida na matrícula para os cursos jurídicos com o Novo Estatuto dos Cursos Jurídicos e Sociais do Império.

O Ato Adicional de 12 de agosto de 1834 afetou profundamente a educação brasileira através do artigo 10, nº 2, transferindo às assembléias legislativas provinciais o direito de legislar sobre a instrução primária e secundária. O inglês, então, passou a ser obrigatório no currículo escolar.


A fundação do Colégio Pedro II - 1837

A conversão do Seminário de São Joaquim em uma escola-modelo do Império brasileiro, o Colégio Pedro II, em 1837, permitiu que as línguas modernas se posicionassem em pé de igualdade com as línguas clássicas.

A primeira reforma curricular foi aprovada pelo ministro Antônio Carlos, através do Decreto nº 62, de 1º de fevereiro de 1841, que fixou o curso completo em sete anos e estabeleceu o ensino das línguas clássicas e modernas em quase todos os seus estágios. Alguns anos depois, o latim, o francês e inglês passaram a ser exigidos para admissão nos cursos de medicina (1854).

Em 1855, na Reforma Couto Ferraz, o ensino secundário passou a ser ministrado em 7 anos, assim dividido: 1º ciclo = 4 anos (estudos de 1ª classe) – equivalente às séries finais do Ensino Fundamental hoje; e o 2º ciclo = 3 anos (estudos de 2ª classe) – equivalente ao Ensino Médio de hoje. Faziam parte do currículo seis idiomas, sendo duas línguas clássicas (latim e grego), e quatro línguas modernas (francês, inglês, alemão e italiano).

Tanto na Reforma Marquês de Olinda (1857) quanto na Reforma Sousa Ramos (1862), o latim e o grego ocupavam 7 e 3 anos de estudo respectivamente.

As línguas modernas foram perdendo espaço no currículo e passaram a ocupar uma média de 6 anos de estudo a partir da Reforma Cunha Figueiredo (1876) contra uma média de 9 anos das Reformas anteriores. A mesma redução se aplica ao número de horas dedicadas ao estudo das línguas, que chegou a mais da metade no fim do império (LEFFA, 1999).

No Ministério de Leôncio de Carvalho (1878), as línguas alemã e italiana se incluíram nos preparatórios para as matrículas nas faculdades de Direito e Medicina.

Na Reforma C. Maximiliano (1915), o latim ocupava somente 3 anos de estudo e o grego foi retirado totalmente do currículo.

Mesmo diante da redução de anos no currículo de línguas modernas, as leis Rivadávia (1911) e Maximiliano (1915) prescreviam um ensino prático dessas línguas, baseado nas habilidades de falar, ler e escrever pelo menos duas línguas, o que configurava um desafio frente à realidade de um ensino ainda calcado na “seqüência da tradução, gramática, leitura e análise” (CHAGAS, 1982).

 

Quadro 1[1]      

 
Anos
 
Reformas
Por anos de estudo
Línguas    Clássicas Línguas Modernas
Latim
Grego
Total
Francês
Inglês
Alemão
Italiano
Total
1855 Couto Ferraz 7 3 10 3 3 3 1F 9+1F
1857 Marquês de Olinda 7 2 9 3 4 2 1F 9+1F
1862 Sousa Ramos 7 2 9 3 4 2 2F 9+2F
1870 Paulino de Sousa 6 2 8 4 4 - - 8
1876 Cunha Figueiredo 3 2 5 2 1 2F - 3+2F
1878 Leôncio de Carvalho 3 2 5 2 2 2 - 6
1881 Homem de Melo 4 2 6 2 2 2 1F 6+1F
1890 Benjamin Constant 3 2 5 3 3Op - 6
1892 Fernando Lobo 3 3 6 3 3 3 - 9
1900 Epitácio Pessoa 3 3 6 3 3 3 - 9
1911 Rivadávia Correa 2 1 3 3 3Op - 6
1915 C. Maximiliano 3 - 3 3 3Op - 6
1925 J.L.Alves-Rocha Vaz 4 - 4 3 3Op 1F 6+1F
1929 Alteração desta 4 - 4 3 3Op 1F 6+1F

(F = Facultativo;   Op = Opção)

Em 1926, com a posse de Antônio Carlos à frente do governo de Minas Gerais, Campos assumiu a secretaria do Interior daquele estado. Promoveu uma profunda reforma educacional em Minas, utilizando-se de muitos postulados defendidos pelo movimento da Escola Nova.
Em 1929, Campos foi encarregado de negociar a articulação de uma candidatura oposicionista junto às forças políticas gaúchas. Foi o representante mineiro na reunião realizada no Rio de Janeiro, que acertou o apoio de Minas a uma candidatura gaúcha à presidência da República, primeiro passo para o lançamento, algum tempo depois, do nome de Getúlio Vargas pela Aliança Liberal. Com a derrota de Vargas no pleito realizado em março de 1930, participou das articulações que levaram ao movimento armado de outubro daquele ano, que pôs fim à República Velha.


Início da Era Vargas – 1930

A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Esses Decretos ficaram conhecidos como 'Reforma Francisco de Campos':


Desde o século XVIII até meados do século XX (e até hoje na maioria das escolas de ensino médio) a metodologia predominante foi sempre um mixto de tradução e gramática. Essa abordagem, calcada na idéia de que o aspecto fundamental da língua é sua escrita, e de que esta é determinada por regras gramaticais, teve sempre como objetivo principal “explicar a estruturação gramatical da língua e acumular conhecimento a respeito dela e de seu vocabulário, com a finalidade de se estudar sua literatura e traduzir” (SCHÜTZ, 2006).


Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, JOSÉ CARLOS PAES DE. Lingüística Aplicada, Ensino de Línguas e Comunicação. Campinas: Pontes Editores & ArteLíngua, 2005.

___________ ‘Ontem e hoje no ensino de línguas no Brasil’. In Stevens & Cunha (orgs.), Caminhos e Colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003. 

CHAGAS, VALNIR. Didática Especial de Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 3ª Edição, 1982.

LEFFA, VILSON. ‘O Ensino de Línguas Estrangeiras no Contexto Nacional’. Revista Contexturas, APLIESP, n. 4, p. 13-24, 1999.

OLIVEIRA, LUIZ EDUARDO MENESES DE. A Historiografia Brasileira da Literatura Inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). Dissertação de Mestrado em Teoria Literária, IEL/UNICAMP, 1999.

ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 29ª Edição, 2005.

SCHMIDT, MARIA JUNQUEIRA. O Ensino Científico das Línguas Modernas. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., Editores, 2ª Edição, 1958.

SCHÜTZ, R. O aprendizado de línguas ao longo de um século. Disponível em <http://www.sk.com.br/sk-apren.html>. Acesso em 02 de julho de 2006.

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[1] CHAGAS, V. Didática Especial de Línguas Modernas.  São Paulo: Companhia Editora Nacional, 3ª Edição, 1982.