UMA VISÃO DO ENSINO DE LÍNGUAS NA AMÉRICA LATINA EM 1968
Resenha Histórica: GOMES DE MATOS, Francisco; WIGDORSKY, Leopoldo Foreign “Language Teaching in Latin America”. In SEBEOK, Thomas A. (Org.) Current Trends in Linguistics. In R. LADO, W. MCQUOWN, S. SAPORTA & H. LASTRA (Orgs.) Currents trends in Linguistics. Vol. 4. Ibero-American and Caribbean Linguistics, p 464-533. The Hague: Mouton, 1968.
RESUMO
Este artigo traz uma resenha histórica dos programas de línguas estrangeiras na América Latina nos anos 60 do século 20. O Inglês como segunda língua é discutido nesse texto assim como o ensino de outras línguas estrangeiras. Nem a Espanhol, nem o Português na perspectiva de línguas estrangeiras encontram espaço nessa obra por sua quase ausência ainda como línguas de oferta. Observações são feitas no que concerne aos programas em vários níveis, métodos e materiais de ensino, formação de professores, status dos idiomas, organizações de professores e problemas agudos nos principais países latino-americanos. Nas considerações finais, o relato aponta as questões especiais do número insuficiente de professores de línguas estrangeiras e a inabilidade de se obterem materiais de ensino adequados. Um dos maiores problemas encontrados é a falta de comunicação entre professores de línguas na América Latina. O fardo mais pesado de responsabilidade pela melhoria das condições permanece com os professores de línguas que receberam melhor formação.
Palavras-Chave: Ensino de línguas na América Latina, programas de línguas em países latinoamericamos nos anos 60.
ABSTRACT
This chapter presents a survey of foreign language programs in Latin America in the 60’s (20th Century). English as a second language is discussed as well as the teaching of other foreign languages. Neither Portuguese nor Spanish as a foreign language are present in the study for their scant presence as choices of languages to be studied. Remarks are made concerning language programs at various levels, teaching methods and materials, teacher preparation, status, organizations, and acute problems in major Latin American countries. In the concluding comments, the report notes the special questions of the insufficient number of foreign language teachers and the inability to obtain appropriate materials. One of the biggest problems spotted is the lack of communication among foreign language teachers in Latin America. The heaviest burden of responsibility for improvement rests with the foreign language teachers who have had good training.
Keywords: Language teaching in Latin America; language teaching programs in South American countries in the 60’s.
Há muito tempo, onze anos para ser mais preciso, guardo a intenção de resenhar o precioso capítulo sobre as condições de ensino de línguas na América do Sul que o brasileiro Francisco Gomes de Matos, com a colaboração do chileno Leopoldo Wigdorsky, descreveram e analisaram na portentosa coleção organizada por Thomas Sebeok em 1968. Quando amadureceu a ideia de um número especial comemorativo dos dez anos do periódico eletrônico Revista HELB, entendi que era chegado o momento de inserir nele uma resenha histórica desse capítulo panorâmico do desenvolvimento do ensino de línguas na América Latina escrito em plenos anos 60 do incrível século vinte também nessa área da instrução de idiomas. Para compor essa resenha trago informações de Gomes de Matos sobre as circunstâncias do capítulo ainda sem similar nos dias de hoje, informações essas que obtive em troca de correspondência eletrônica com o autor brasileiro neste ano que nos auxiliam a situar historicamente a obra. Para realizar o que pretendia, portanto, convidei o Prof. Gomes de Matos, baluarte da Linguística Aplicada brasileira, a colaborar neste projeto de reconhecimento do valor acadêmico histórico do texto sobre o ensino de línguas na América Latina para a área de Ensino de Línguas filiada à Linguística Aplicada. Gomes de Matos, como costuma reagir desde sempre, foi cooperativo assim que soube da intenção de incluir aquele capítulo-relato da situação do ensino de línguas na América Latina . Quanto tempo, disse-me ele! Para realizar o desafio de escrever o estado da arte sobre o ensino de línguas nessa grande porção das Américas relatou ter tido o “prazer-privilégio-proveito de contar com o competente linguista aplicado chileno Leopoldo Wigdorsky na descrição das condições em que as línguas estrangeiras eram ensinadas na América Latina” na altura da metade do século vinte.
O capítulo tinha como objetivo apresentar, de forma sucinta, documentada , o que se ensinava (que línguas, onde, quando, por que e por quem ensinadas?) e que influência haveria da Linguística da época (predominantemente estruturalista), principalmente nos materiais didáticos criados localmente ou importados. No planejamento do capítulo, o autor brasileiro pernambucano conta que ficou responsável pelas seções referentes ao Brasil, Uruguai e Argentina. Ao colega chileno coube descrever a situação no restante da América de língua espanhola. Onde possível, disse-me o autor brasileiro, “sugeri alguns dados, principalmente sobre a Colômbia e o México”. Nossa correspondência mostra uma parceria muito significativa para ambos os autores. “Naquela época da comunicação epistolar, fomos desafiados a buscar e trocar ideias e informações sobre o que estava acontecendo no ensino-aprendizagem de línguas em um mosaico cultural-educacional complexo: o da América Latina”. A correspondência entre os autores situados tão longe um do outro geograficamente era feita por cartas convencionais enviadas por correio levando semanas para chegar ao seu destino.
Ajudou na obtenção dos dados o fato de Leopoldo Wigdorsky e Francisco Gomes de Matos estarem ambos ligados ao PILEI, Programa Interamericano de Linguística y Enseñanza de Idiomas, programa esse de corte internacional que ajudou a concretizar a composição do capítulo: “dispúnhamos de poucos, mas bem cooperativos contatos com colegas de vários países”, declarou Gomes de Matos. Assim, valeram-se os autores desses relacionamentos acadêmicos forjados na frequência de grandes eventos que se sucediam em capitais latino-americanas para preencher as muitas lacunas na bibliografia (in)existente. A experiência, com certeza, constitui-se num desafio imenso, mas gratificante e precioso se vista do ponto de observação que temos hoje. Os autores sabiam também da relevância do capítulo que teciam sobre a América de raízes ibéricas porque, num volume tão importante para o conhecimento da Linguística nas Américas, informavam a respeito das realizações e dos anseios latino-americanos na área da educação em línguas estrangeiras.
Ao lerem este capítulo agora privilegiadamente incluído no número especial de HELB, Gomes de Matos sugere aos colegas atuais e futuros que voltem ao texto dele em coautoria com Leopoldo Wigdorsky e se perguntem: Qual a experiência dos dois coautores, como linguistas aplicados – professores de línguas ? Que formação tiveram em Linguística Aplicada ao Ensino de línguas? Como Gomes de Matos e Wigdorsky percebiam e retratavam as realidades educacionais nacionais e regionais no que concerne ao ensinar e aprender línguas? Que aspectos esses linguistas aplicados destacaram como significativos? Como? Por quê? Qual a contribuição dos coautores para o surgimento de uma História do Ensino de Línguas na América Latina? O quê de natureza antecipadora pode ser encontrado no texto de Gomes de Matos e Wigdorsky? Como a seção sobre Ensino de Línguas no Brasil foi precursora dos dois artigos de Gomes de Matos, ambos republicados na Revista HELB sob a forma de cronologias?
O roteiro de indagações sobre o capítulo dos autores recém enviado por Gomes de Matos para esta resenha mostra o quão alerta e consciente o autor brasileiro se mostra com relação a sua obra. O exercício de análise do valor histórico da obra traz à tona a riqueza do pensamento na hoje consagrado à disciplina Ensino de Línguas depois que estabelecemos o flanco histórico como legítimo e produtivo na construção da profissionalidade. Esta resenha enseja reflexões aos nossos leitores da Helb ávidos por reconhecer um passado que explica em boa medida o presente de realizações e desafios que permanecem. Vida longa à Revista Helb que nos atrai o olhar para monumentos que vão compondo um panteão de obras e personagens numa linha histórica reconhecível desvendando um presente que podemos projetar de novas maneiras na tela do futuro.
O manuscrito para o capítulo Foreign Language Teaching in Latin America foi redigido em 1967 e publicado em 1968. Assim, esse capítulo precedeu as duas cronologias publicadas por Gomes de Matos na saudosa Revista de Cultura Vozes (RCV) e que a Revista Helb republicou com pós-escritos nos anuários de 2013 e 2014. Os textos republicados com acréscimos com os títulos de Dez Anos de Linguística Aplicada no Brasil (1965-1974) e Mais Dez Anos de Linguística Aplicada (1975-1985) sucederam o capítulo de Gomes de Matos e Wigdorsky que ora resenhamos. O capítulo na grande coleção de Sebeok foi assim, precursor dos dois levantamentos supracitados e com certeza incentivou o autor brasileiro a historiar o desenvolvimento da Linguística Aplicada por meio da análise histórica do desenvolvimento do Ensino de Línguas no Brasil.
O volume Trends in Linguistics: Ibero-American and Caribbean Linguistics no qual se insere o texto de Gomes de Matos et al. teve como um dos seus organizadores ninguém menos do que grande Robert Lado, autor de Linguistics across Cultures, de quem o decano brasileiro da Linguística Aplicada foi aluno, discípulo e colaborador. Em 1958, o linguista aplicado pernambucano ganhou uma bolsa de estudos (Teaching Fellowship) do English Language Institute (ELI), da Universidade de Michigan, exatamente quando Lado dirigia aquele renomado Instituto especializado no ensino de línguas. Isso possibilitou a ida do jovem bolsista brasileiro aos Estados Unidos para fazer um mestrado em Linguística entre 1959 e 1960. Na Universidade de Michigan em Ann Arbor o Professor Gomes de Matos teve o privilégio de ensinar aulas de prática de estruturas (Pattern Practice) do inglês no ELI. Era uma das disciplinas típicas da época de ouro do estruturalismo ofertada no Intensive Course in English oferecido por aquele Instituto pioneiro. O próprio Gomes de Matos assim se expressa sobre essa experiência e época:
Assim, na era do estruturalismo, estudei com estruturalistas (que, no entanto, tinham uma visão interdisciplinar da Linguística Aplicada) e pude aplicar em sala de aula no ELI a técnica conhecida como pattern practice –ou seja, substituições de elementos em frases com repetição oral.
A publicação do emblemático capítulo sobre as condições do Ensino de Línguas nos países latinoamericanos se deu na esteira da iniciação do autor brasileiro na jovem e prestigiosa disciplina emergente da Linguística iniciada na primeira visita aos Estados Unidos em 1955. No início, essa formação se deu informalmente, tendo o autor Gomes de Matos estudado como ouvinte ("auditor", para lembrar o termo em inglês) na disciplina Introduction to Linguistic Science, ministrada pelo pioneiríssimo Charles C. Fries no outono americano de 1955, quando o linguista aplicado brasileiro foi para Ann Arbor como bolsista do International Program for Teachers of English. Isso, é bom enfatizar, ocorreu 4 anos antes da segunda ida do autor a Michigan, em 1959. Do mesmo modo que Lado foi pioneiro em Linguística Intercultural (Linguistics Across Cultures era o título do livro dele de 1957), Fries foi pioneiro em Análise do Discurso com seu American English livro original a partir de um corpus constituído por cartas escritas por militares americanos a suas famílias na Segunda Guerra, que recém havia terminado.
O volume do Trends em que aparece o texto de Gomes de Matos e Wigdorsky foi publicado em 1968, 13 anos depois da primeira viagem do autor brasileiro à Universidade de Michigan, em Ann Arbor, e 9 anos depois de minha segunda ida a Ann Arbor para lá cursar o Mestrado em Linguística. Antes da primeira visita a Michigan, Gomes de Matos declarou já haver lido sobre Linguística e Ensino de Línguas (em inglês) no livro Language Teaching, de Edwin Cornelius, distribuído pelo Departamento de Estado daquele país norte-americano a professores de inglês de centros binacionais Brasil-Estados Unidos do país. Antes dessa primeira viagem em 55 eu já havia conhecido o Intensive Course in English (for Latin American Students), publicado pelo ELI no início dos anos 50. Fries faleceu em 1967e, embora já reconhecido em vida como um pesquisador e estudioso (a scholar) da Linguística, permaneceu postumante reconhecido como um especialista do Ensino de Línguas. No precioso volume Words on Words. Quotations about Language and Languages, David e Hilary Crystal (London: Penguin, 2002), no dado biográfico sobre aquele estruturalista o descrevem simplesmente como American professor of English. (Dado enviado pelo próprio Gomes de Matos a este resenhador).
A citação friesiana incluida no livro dos Crystal é esta: There can be no correctness apart from usage. American English Grammar, 1940, chapter 1, sect. 4. Minha tradução livre para a ciração seria “Não pode haver correção separada da forma da língua.”Gomes de Matos informou ainda que antes da sua primeira viagem a Ann Arbor já havia também consultado a hoje clássico livro Teaching and Learning English as a Foreign Language, de Charles Fries, publicado pela University of Michigan Press em 1945. XXX Na defesa da sua tese de doutorado, em 1973, sessão de defesa pública em que estive presente no Teatro TUCA da PUC- São Paulo com a emoção de assistir ao primeiro desses eventos acadêmicos que mais tarde seriam uma rotina em minha vida. Nessa tese, Gomes de Matos transcreve comentários (epistolares) emitidos por alguns dos estruturalistas notáveis da época, dentre os quais Robert Lado, e S.Pit Corder, que tive eu mesmo como professor importante no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Edinburgo, Escócia, entre 74 e 75.
A pesquisa de Gomes de Matos aprovada como um dos primeiros doutorados em Linguística Aplicada apareceu três anos depois como livro sob o título Linguística Aplicada ao Ensino de Inglês. Esse livro resenhado por González (2014) para esta mesma Revista Helb constitui-se num dos poucos livros de autoria sobre o ensino de línguas no século vinte e foi publicado pela saudosa editora McGraw-Hill, São Paulo, em 1976. A pesquisa realizada pelo autor sobre princípios da Linguística que eram reconhecidos como válidos para aplicação ao ensino de idiomas naquela altura, uma perspectiva prestigiosa na jovem Linguística Aplicada brasileira teve como orientadora a Dra Maria Antonieta Alba Celani, iniciadora do pioneiro e longevo Programa de Linguística Aplicada da PUC-São Paulo, fundado em 1970. O Professor Gomes de Matos publicou um resumo da sua tese, em inglês, no capítulo A Thesis 20 years on: Principles of Linguistics and the Theory-Praxis of the Rights of Language Learners, no volume Reflections on Language Learning . In honour of Antonieta Celani. O livro é organizado por by Leila Bárbara and Mike Scott e publicado pela Multilingual Matters, 1994.
A tarefa de produzir um levantamento da situação do ensino de línguas numa região tão grande quanto diversa como era e é a América Latina, formada por muitos países com história e condições extremamente diversas, foi mesmo um enorme desafio a ser cumprido em onze meses numa altura (final dos anos 60) em que não se contava com correio eletrônico para comunicação instantânea e muitas experiências com o ensino de línguas estavam em curso ou em vias de se iniciar.
Em 1964 o mundialmente reconhecido Centro de Linguística Aplicada localizado em Washington, DC, nas adjacências da Universidade de Georgetown, concebido e mantido pela Modern Language Association of America (MLA), divulgou um questionário a ser enviado a professores de línguas (Inglês) representativos dos profissionais atuando na América Latina e a todos os indivíduos diretamente envolvidos com o Ensino de Inglês como Língua Estrangeira naquela parte do mundo; o propósito da iniciativa era obter informação que pudesse enriquecer os arquivos do Centro no que se refere ao Ensino de Línguas. Havia esperança nesse momento que outras iniciativas meritórias como essa fossem deflagradas no futuro próximo, mas isso nunca aconteceu de verdade. Os problemas cruciais do ensino de línguas na América Latina não foram objeto de capítulos, artigos ou livros depois dessa iniciativa promissora do Centro em Washington.
Na altura em que foi produzido o estudo que conduziu à escritura do artigo, não havia literatura especializada sobre o tema e isso agravava a dificuldade da tarefa. Hoje temos o capítulo sobre as condições do ensino de línguas na América Latina com seu valor histórico de base, mas não muito mais do que ele. Daí seu valor intrínseco a legitimar este esforço resenhador/interpretador.
O Brasil é o primeiro país retratado no capítulo e a ele são dedicadas 22 páginas. A história do Ensino de Línguas no Brasil é apresentada segundo a periodização de Valnir Chagas (1957) citada pelos autores (provavelmente com a pena de Gomes de Matos) como a principalmente situada entre 1855 e 1931. O Brasil conta com essa gema preciosa produzida por Chagas sobre a história do ensino de línguas modernas no país. Gomes de Matos sugere que se escreva a história dos programas de inglês dos centros binacionais para o ensino de inglês. Nessa direção temos na Revista Helb (2010) o artigo de Margarete Nogueira. Em 1963, informa-nos Gomes de Matos, havia 38 centros binacionais em funcionamento no país com 40 mil alunos matriculados. A Argentina, segundo lugar, possuía 13 à mesma altura. Sociedades britânicas eram 10 em 1963. Na Argentina eram 35 e no Uruguai 15.
Sete laboratórios de línguas estavam em posição de entrar em atividade nos centros binacionais para a língua inglesa em 1964. Gomes de Matos considera que os laboratórios foram tão prematuramente introduzidos no ensino de inglês nos centros binacionais tanto quanto a Linguística o foi nos programas de Letras das universidades e faculdades do país um ano antes.
Uma dezena de livros didáticos produzidos no país sofria de males com as seguintes características: eram culturalmente pobres, linguisticamente artificiais, totalmente assistemáticos, não graduados por níveis, pesados no tratamento da gramática e não adequados para avaliação objetiva. Essa avaliação tem um valor comparativo para as análises de livros e séries de hoje, mas não ocorrem análises do conjunto de livros que pudessem servir de contraste em nossos dias.
Somente uma quarta parte dos professores de inglês atuava à época no sistema público escolar. Os professores já eram vistos como cansados, sobrecarregados com muitas aulas ao dia, produzindo ensino aborrecido, ou cansativo nas práticas de leitura e tradução que vêm de mais longa tradição.
Em geral, o capítulo em tela aponta que na América Latina há uma escassez aguda de professores de línguas devidamente qualificados. A ausência de recompensas, tanto materiais quanto ao nível de reconhecimento de mérito, diminuem o reconhecimento de um desejável status social da profissão, alienando dela muitos jovens e talentosos futuros professores. Sentia-se já nessa altura, a dificuldade que professores certificados enfrentam para se manterem atualizados sobre novas ideias na profissão. Cursos de atualização existiam, asseveram os autores, mas eles precisariam ser acompanhados de medidas administrativas (entendo como políticas públicas relevantes, ainda escassas hoje) e pecuniárias (melhora nos salários) que garantissem a um número significativo de professores tomar parte nessas iniciativas formadoras, especialmente em cidades menores. Gomes de Matos e Leopoldo Wigdorsky avaliam que o baixo nível socioeconômico dos professores submetidos a baixos salários obriga-os a uma desumana jornada de horas de trabalho.
Livros que pudessem servir de fonte de aperfeiçoamento eram caros e indisponíveis, principalmente os estrangeiros que vão ser importados. Nessa linha, os autores adiantam uma sugestão de produzir uma súmula de artigos de periódicos endereçados a toda América Latina. Essa ideia hoje pareceria mais viável ante a disponibilidade dos meios digitais de comunicação mundial instantânea e barata. Não seria o caso de relançarmos a sugestão aos programas de pós-graduação voltados para o Ensino de Línguas? Reconheciam os autores que havia um problema de comunicação entre grupos na América Latina por seu tamanho e dispersão geográfica. Esse problema ainda não se resolveu, embora tenha havido uma tímida aproximação de formadores de professores de alguns países como Brasil, Chile, e Colômbia e Argentina no cenário dos Congressos Latino-americanos para a Formação de Professores de línguas desde 2008.
A comunicação cuidadosa e respeitosa entre os Centros Binacionais, potentes disseminadores de novas ideias vindas do hemisfério norte, e professores das escolas regulares num sistema pesado e sem supervisão adequada precisava ser praticada para evitar atritos, dizem os autores no artigo histórico. Inovações teóricas muitas vezes sufocam os professores, fazendo-os pensar que nada substitui o trabalho honesto, interessado e duro dos professores práticos seja ele em que base for. Avanços sociais nos países, dizem os autores, não têm sido acompanhados por reformas no ensino de línguas e nas atitudes do pessoal administrativo em posição de decisões. Os programas visitados ou relatados por colegas dos autores mostram-se muito curtos, fazem falta cursos de formação (treinamento) adequados e verificou-se demasiada ênfase nos objetivos de leitura e tradução.
Soluções globais não pareciam aos autores ser aplicáveis em região tão diversa como a América Latina. Todos os países podem adotar medidas de melhoria das condições para a oferta de ensino de idiomas, mas alguns países estão em condições de vantagem e deveriam lançar reformas que contagiassem os outros. Propostas de políticas nacionais precisariam ser analisadas e essa informação enviada aos outros países do bloco. Noto, ao final, ao correr os olhos pela bibliografia citada que os nomes de estudiosos (linguistas, referências dos autores) são todos estrangeiros. Isso melhorou substancialmente desde então no cenário brasileiro, pelo menos. A Revista Helb é testemunha de como cresceu desde os anos 70 quando se iniciaram programas de pesquisa sobre o ensino de línguas no país a bibliografia nacional escrita em português. O recomendado estabelecimento de projetos conjuntos entre instituições e pessoas de países distintos da América Latina não vingou plenamente até o momento, mas segue uma ideia transformadora se puder ser adotada.
O artigo, enfim, oferece um panorama analítico geral do ensino de línguas estrangeiras na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 que é único em sua categoria. Os dados acerca dos países e do Brasil são o pouco precioso de que dispomos ainda hoje. Faz falta uma nova tentativa de mapear e avaliar o quadro de ensino profissional, de institucionalização da formação de professores segundo modelos dotados de critérios nos países da América Latina. Agradecidos ficamos todos nós leitores e profissionais do Ensino de Línguas a esses dois linguistas aplicados que aceitaram examinar o presente/passado das condições dos países na construção do cenário ativo e crescente de profissionalidade nas múltiplas línguas que podem ser eleitas para aprendizagem e comunicação na América.
Referências
- CHAGAS, R. Valnir C. Didática Especial das Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.
- GOMES DE MATOS, Francisco. 1975-1985: Dez anos de Linguística Aplicada no Brasil. In Revista Helb, PGLA/UnB, vol. 06, janeiro de 2012.
- ______. Mais dez anos de Linguística Aplicada. In Revista Helb, PGLA/UnB, vol. 07, janeiro de 2013.
- ______. A Thesis 20 years on: Principles of Linguistics and the Theory-Praxis of the Rights of Language Learners. In BARBARA, Leila & SCOTT, Mike (Org.) Reflections on Language Learning . In honour of Antonieta Celani. London: Multilingual Matters, 1994.
- GONZÁLEZ, Verónica. Resenha “Linguística Aplicada ao Ensino de Inglês”: Um Momento Histórico de Suporte Científico ao Ensino de Línguas no Brasil. In Revista Helb, PGLA/UnB, vol.08, janeiro de 2014.
- LADO, Robert. Introdução à Linguística Aplicada. Trad. do original em inglês Linguistics Across Cultures (1969). Petrópolis: Revista de Cultura Vozes, 1971.
- NOGUEIRA, Margarete. Os Centros Binacionais Brasil-Estados Unidos. Sua Importância para a História do Ensino de Línguas no Brasil. In Revista Helb, PGLA/UnB, vol.04, janeiro de 2010.