Ano 5 - Nº 5 - 1/2011

5. O Papel dos Intérpretes ou Línguas no Império Português do Século XVI

Resumo
Este artigo analisa as diferentes categorias de intérpretes (ou línguas), os tipos de recrutamento a que eram submetidos e as estratégias de uso dos seus serviços no Império Português na Ásia na primeira metade do século XVI. Esses intérpretes eram aventureiros, prisioneiros e nativos, capturados e escravos convertidos recrutados durante expedições e operações militares. Além do status socioeconômico desses intérpretes, o artigo destaca o caso do território de Macau no qual a necessidade de atender a burocracia imperial determina a criação de juntas de intérpretes (os jurubaças) e faculta a organização de perfeitas dinastias de “língoas”.

Palavras-chave: renegados, degredados, judeus, cristãos-novos, escravos, línguas, tradução, jurubaças

Abstract
This article analyses the different categories of interpreters (lingoas), the forms of their recruitment and the strategies of their use in the Portuguese Empire in Asia in the first half of the sixteenth century. The interpreters were as good as adventurers, convicts and natives, captives, renegades and converted slaves recruited during expeditions and military operations. Besides the socioeconomical status of these interpreters the article highlights the case of the territory of Macao where the necessity to answer to imperial bureaucracy determines the creation of a corps of interpreters (jurubaças) and perfectly organised family dynasties of "lingoas".

Keywords: Renegades, Convicts, Interpreters, Jews, New-Christians Slaves, Languages, Conversions, Translation, Lingoas, Jurubaças

Ex-renegados e prisioneiros, escravos nativos e convertidos, judeus e novos cristãos, aventureiros e degredados formavam um importante contingente duma categoria específica da sociedade dedicada à expansão da fronteira no império português: a dos intérpretes ou línguas. A função deles podia ser executada por aqueles que não eram marginais, mas o perfil ideal requerido para se preencher essa função de modo competente exigia algumas características tais como a facilidade em se envolver em mundos novos, que não era uma qualidade facilmente encontrada no ambiente da sociedade importada (isto é, de colonizadores europeus vivendo nas terras ‘descobertas’).

Além disso, havia ainda um tanto de problemas técnicos a ser enfrentado. Indivíduos com proficiência em idiomas orientais eram raros em Portugal; somente alguns comerciantes, homens de letras ou de religião que haviam viajado podiam, eventualmente, em certas ocasiões, agir como intérpretes. As línguas conhecidas nesse meio eram ainda muito restritas. Somente o árabe, muitas vezes em variantes afastadas dos padrões e, possivelmente, o hebraico eram conhecidos. A língua mais popular entre essas era indubitavelmente o árabe, falado até certo ponto por soldados ou ex-prisioneiros em quartéis marroquinos.

No que tocava a nobreza, essa capacidade linguística (na verdade, comunicativa) dos línguas era ainda mais escassa de se encontrar. Somente uns poucos casos foram registrados como ex-prisioneiros que haviam adquirido o idioma do país em que tinham cumprido pena, primeiro em Marrocos e depois na Ásia. Por essa razão, o caso de Antonio Camelo, um ajudante de ordens empregado na corte para acompanhar o Vice-Rei Dom Francisco de Almeida à Índia em 1505 na condição de intérprete, não se constitui um caso isolado nem frequente (Bouchon 1985: 206)[1].

Variações linguísticas e a mera diversidade de línguas geravam outros obstáculos.  O Árabe falado no norte da África não podia ser compreendido no Egito nem na Síria, que era responsável pelo idioma dominante de comércio no Oceano Índico. Além disso, a língua persa (Farsi) e também uma mescla de Árabe e Persa enriquecida de termos malaios e de diferentes línguas indianas era igualmente usada como lingua franca no Oriente (Ibid.: 204). A lingua franca do Mediterrâneo, uma mistura de Italiano, Castelhano, Árabe e Turco, também falada por mercenários ocidentais e renegados de diferentes nações, foi trazida por sua vez por cidadãos do Levante e turcos em particular, ao ambiente marítimo do Oceano Índico (Kahane and Tietze, 1958).

Ao recrutar pessoas de origens e culturas tão diversas, esperavam os portugueses que uma faixa expressiva de línguas pudesse, assim, ser coberta. Contudo, esse recrutamento iria ainda trazer problemas de outra ordem. Gozar de uma cultura dupla, às vezes de até mais quando o domínio se estendia a diversas línguas, os intérpretes eram marginalizados por seu passado.  Por outro lado, a função que desempenhavam os integrava à banda respeitável da sociedade ou até os círculos mais elevados. Se talentosos, chegavam a frequentar as antessalas do poder, compartilhavam segredos de estado e, às vezes, até preenchiam algum posto de alto escalão.  Gaspar da Gama, também conhecido por Gaspar da Índia, (Lipiner 1987, Tavares 1992), um judeu de Asquenaze, foi ter à Índia como intérprete de Vasco da Gama, D. Manuel, Pedro Álvares Cabral e de D. Francisco de Almeida; da mesma forma, Francisco de Albuquerque e Alexandre de Ataíde foram dois intérpretes sefarditas (ou judeus ladinos da Ibéria) a serviço de Afonso de Albuquerque (Aubin 1974). Esses são alguns dos bons exemplos de intérpretes de talento de que temos notícia[2].

O status paradoxal do intérprete explica a desconfiança geral que eles geravam. Isso foi agravado pelo fato de que a função de língua praticamente não se dissociava das missões de espionagem ou de negociações secretas. Já que os exemplos são tão numerosos na documentação inevitavelmente esparsa nós iremos citar somente alguns que reputamos paradigmáticos.

Gaspar da Índia preparou seu filho Baltasar para a função de língua. Esse último foi encarregado de espionar as forças do Mameluke Admiral Amir Husayn al-Kurdi em 1508 (Castanheda I/II, cap. LXXVII: 391)[3].  Em 1515, a delegação enviada ao Shah Isma’il integrava um lingua, de nome Gaspar Rodrigues, a quem Afonso de Albuquerque havia enviado “disfarçado para ouvir o que os mouros tinham a dizer sobre ele” (dissimulado pera ouvir ho que os mouros dizião acerca dele) (Castanheda I/IIi, cap. LIII: 326). Em 1535, o língua João de Santiago secretamente informou ao governador Nuno da Cunha sobre as intenções do Shah (Correia III/II cap. LXII: 620/621)[4]. Diogo de Mesquita, prisioneiro em Cambay, aprendeu Gujarati (aparentemente graças à liberalidade dos seus guardas); embora certamente convertido ao islamismo, ele ainda agia como um língua, um mensageiro, um espião e um negociador entre o português e o sultanato gujarati por volta de 1535 (Aubin 1974: 178)[5].

Algumas vezes, essas missões revelaram-se incompatíveis com o prestígio, a posição social e ainda com a responsabilidade política daqueles a quem os intérpretes serviam.  A discrepância da qual eles eram testemunhas, ocasionalmente rendia-lhes certa inconveniência: embora estivessem associadas a segredos de estado, muitas vezes eles também tinham acesso ao seu lado encoberto. Afonso de Albuquerque mantinha seus intérpretes sob estreita vigilância. Em 1512 ele pôs a ferros o seu língua Francisco de Albuquerque, acusado de saber seus segredos (Bouchon, 1985: 210).

Por outro lado, esses personagens, por serem difíceis de ser classificados ou pela dificuldade de se certificar a qual cultura eles pertenciam, se viam em dificuldades por falarem várias línguas. Suspeitava-se que a alma do intérprete havia sido corrompida, sendo contaminada pelo outro lado, porque utilizar outras línguas implicava o uso de mecanismos mentais do mundo asiático. Ele tivera acesso a formas do universo mental que escapavam a seus mestres[6].

Finalmente, de um ponto de vista prático e imediato, o fato de o intérprete dominar vários códigos punha os poderosos numa posição de inferioridade, já que eles se tornavam totalmente dependentes do língua para entender a outra língua escrita e falada, sabendo de antemão que o língua poderia, de acordo com a fórmula consagrada do ‘traduttore, traditore’ , manipulá-la e distorcê-la de acordo com os seus interesses. Um exemplo significativo é um relato da embaixada portuguesa em Benguela, em 1521.

O renegado João de Borba (conhecido por seus dotes linguísticos) servia como intérprete num desentendimento entre Antônio de Brito e um turco, Ali Agca. Durante a discussão, ele teria “traduzido” uma das respostas de modo inteiramente distorcido, para sua própria conveniência. Um paralelo é possível com Abraão Benzamerro, «língua» de Mazagan: vide Tavim 1993: 115-141.

Por essa razão, em 1510, Albuquerque enviou a delegação de Ruy Gomes de Cavalhosa ao Shah Isma’il com instruções interessantes e bem especificadas: o língua não deveria adicionar uma única palavra além das expressas pelo embaixador durante a audiência, permanecendo sempre ao seu lado, e alojando-se em acomodação isolada enquanto durasse a missão (Correia, II/I, cap.X: 71/72)[7].

A única forma de contrabalançar os poderes “ocultos” do intérprete consistia no fato do seu mestre tratá-lo com condescendência, lidando com ele como um simples factotum de não tão grande importância. Com efeito, as fontes frequentemente mantinham o anonimato do língua, raramente se referindo a ele e, quando necessário, somente de forma oblíqua. Da mesma forma, por causa de seu modesto status de origem, as ambições do língua eram suprimidas, esperando essencialmente deixá-lo sempre ciente de sua posição vulnerável.

Quando ocorria um incidente diplomático, era fácil transformar o língua em bode expiatório.  Ele era obrigado a assumir a responsabilidade do “equívoco” cultural e das consequências que por ventura pudessem surgir. Essa responsabilidade, se verdadeira ou não, era unanimemente atribuída a ele, tanto por europeus quanto por asiáticos. O intérprete da mesma delegação para Bengala, em 1521, declarou em certa parte de seu diário que no momento que o sultão se preparou para condenar os membros da delegação à morte, o primeiro a ser decapitado seria ele, “só por ser uma língua” (so por ser lingua)(Bouchon, Thomaz 1988: 214).

Havia intérpretes permanentes para fortalezas, palácios de governadores e armadas e eles eram chamados delínguas de Estado.  Marco Fernandes era o língua presente na assinatura do tratado de paz de 1534-1535 pelo qual os portugueses se estabeleceram no porto de Bassein.  Alguns deles tinham longas carreiras, como João Garcês, quem foi capturado em Cabo Comorim, e serviu na Índia por vinte e cinco anos, vinte e três dos quais como um língua em várias armadas e fortes na costa de Malabar[8].

A maioria dos línguas de Estado era esporadicamente recrutada para situações urgentes, durante negociações específicas, operações militares ou expedições marinhas, nas quais era necessário iniciar contato com adversários ou simplesmente durante encontros fortuitos entre entidades desconhecidas que desejavam estabelecer contato.  Foi assim que Afonso de Albuquerque obteve lucro entre os passageiros de um navio para Meca capturado por Simão Martins em setembro de 1510 ao largo da costa de Malabar. Ele usava os serviços de dois judeus de origem ibérica, mais tarde batizados como Francisco de Albuquerque e Alexandre de Ataíde, que acompanharam suas expedições a Malaca em 1511 e a Aden em 1513 (Aubin 1974: 176). Em 1535, numa missão de reconhecimento para destruir a cidade de Ujong Tanah, perto de Malaca, D. Estevão da Gama capturou um habitante da vila que era obrigado a fornecer informações relacionadas à defesa da cidade e permaneceu nesse serviço como um língua da armada (Correia III/II, cap. LXIII: 627).

Intérpretes indígenas, usados em todas as áreas nas quais Portugal operava (postos comerciais, fortalezas e armadas) vieram para servir muitas vezes em zonas muito distantes da sua terra de origem. Em 1512, Afonso de Albuquerque enviou um jovem abissínio que “sabia a língua árabe” para D. Manuel.  Em 1517, Ormuz dispôs de dois intérpretes indianos, um Gamgua, outro Gujarati, e um tal Jorge, um cristão de Malabar[9] para se juntar aos línguas Portugueses locais.

Entretanto, o recrutamento dos intérpretes asiáticos não convertidos e convertidos ou mestizos euroasiáticos não agradava a todos.  Certa rivalidade surgiu entre os línguas Portugueses e os nativos asiáticos, os primeiros desprezando os últimos, e tentando relegá-los a posição secundária, embora eles mesmos tivessem sido renegados e condenados. Numa carta ao rei, João Garcês reclamou que “muitos problemas estavam sendo criados na Índia como consequência de oslínguas não quererem servir aos interesses de Sua Alteza Real, e os capitães se voltarem aos “negrinhos” dando crédito a eles por terem estado a serviço” (muitas couzas se fazem qua na Jndia por as ljmgoas non serem aquelas que desejam de fazer o servjço de Vosa Alteza porque amdam qua hus njgrinhos a que os capitames dam o credito porque lhe fazem seos proveitos) (Albuquerque e Pereira da Costa 1990: 329).

Esse clima explica a razão pela qual muitos línguas eram recrutados entre os judeus e cristãos novos, embora esse recrutamento também fosse favorecido por razões práticas. Os judeus dominavam uma grande variedade de línguas: o intérprete judeu pertencente a Albuquerque, mencionado anteriormente, sabia árabe, persa, turco, gujarati e kanara. Houve um deles que aprendeu Malaio em poucas semanas (Aubin 1974: 176). Gaspar de Gama, além de hebraico, dominava o árabe e o caldeu, e também falava italiano misturado ao espanhol (Tavim 1994: 141). Por outro lado, eles (os linguas judeus) dispunham de uma família extensa e de uma rede de trabalho comunitário que os tornava excelentes emissários e informantes. Porém, o fato de muitos deles terem origem portuguesa, castelhana ou, até mesmo, norte africana deu-lhes, acima de tudo, uma certa “proximidade cultural” que os asiáticos pagãos não tinham e criou uma conivência com os portugueses. Isaac do Cairo, por exemplo, talvez não fosse de origem ibérica, mas sim do Cairo, onde se encontrava uma comunidade judia importante, como em Rosetta, no Delta do Nilo. Garcia de Orta considerava Isaac do Cairo “um homen discreto e conhecedor de muitas línguas” (homem discreto e sabedor de muytas lingoas), e se referia a ele em seus “Colóquios dos Simples e Drogas da India” (Orta 1987: 85/204)”.

Isaac do Cairo contribuiu com serviços extraordinários como emissário e informante da Coroa Portuguesa. No período turbulento em que os turcos ameaçaram a presença portuguesa no oceano Índico, a ele foram atribuídas, durante sua longa carreira, entre outras missões, as notícias sobre a morte de Bahadur Shah em 1537, notícias do Sultão de Gujarat e as mobilizações e alianças de Ottoman na região, em 1538 (Tavim 1994: 180/181)[10].

Para recompensar seus serviços, o rei o agraciou com o ofício de língua da cidade deDiu. Esta posição deu a ele o direito a um pagamento anual de cento e sessenta mil reais pagos em períodos de quatro meses. Isaac do Cairo também foi solicitado pelo soberano a designar um substituto para exercer suas funções no caso de sua ausência ou inabilidade (Tavim 1994: 240/241). O judeu Samuel, também vindodo Cairo, serviu como intérprete a Afonso de Albuquerque que o chamou publicamente para traduzir a carta enviada pelo rei de Abissínia (Barros II/VII, cap.VI: 339)[11].

Esses línguas não eram convertidos, pois havia uma vantagem em mantê-los afastados de seu empregador, a Coroa Portuguesa. Assim, eles podiam manter seus contatos com diferentes comunidades judaicas sem correr o risco de serem renegados por seus correligionários. A situação mudou quando eles quiseram obter propriedades e favores como Gaspar da Gama (Albuquerque e Pereira da Costa 1990: 312/313). Do mesmo modo que na sociedade islâmica, a conversão dos línguas judeus tornou-se, então, necessária como um primeiro passo para a aculturação do indivíduo e para sua integração social na comunidade, esperando selar simultaneamente sua fidelidade à Coroa.

Isso parece ter funcionado para poucos indivíduos. Ainda assim, os testemunhos portugueses, se não foram feitos por excesso de zelo no desejo de relatar as conversões ao Cristianismo, precisam ser constantemente confrontados com uma documentação complementar. Francisco de Albuquerque, por exemplo, solicitou favores a D. Manuel e adquiriu o status de casado em Goa, onde ele completou seu trabalho como língua.  Entretanto, ao contrário do que Correia afirmou, ele não morreu em Goa como um casado e bom cristão. Depois da morte de Afonso de Albuquerque, ele retornou a Portugal, de onde seguiu para o Cairo. Lá, Antonio Tenreiro o encontrou com seu povo no bairro judeu da cidade em 1525 (Aubin 1974: 181 183/184). Por outro lado, deve-se levar em conta o fato de que a conversão não era sempre imediata: o intérprete judeu de Afonso de Albuquerque, Yosef ou Josef, só concordou com a conversão sob o nome de Alexandre de Ataíde em 1515, enquanto, na verdade, ele servira o Governador desde 1510 (Ibid.: 177).

Assim como os judeus, os novos-cristãos também ofereciam vantagens quando recrutados como línguas. Talvez eles não tivessem ligações com a comunidade como era divulgado, nem a capacidade que os judeus tinham para penetrar as diferentes sociedades orientais com eficiência, mas tinham sua religião e sua própria rede de trabalho comunitário (que algumas vezes se sobrepunham àquelas dos judeus), exercendo uma influência considerável (Tavim 1994: 187-230).

Na ausência de uma evidência mais definida, os cristãos novos não eram facilmente distinguidos dos asiáticos não-convertidos ou dos mulçumanos convertidosque normalmente recebiam nomes patronímicos portugueses (tipicamente os dos seus padrinhos de batismo) quando eles se tornavam cristãos. Apenas uma menção do conhecimento do hebraico permitia identificá-los com segurança. Este era o caso de João Nunes, um ex-condenado que sabia um pouco daquela língua e que foi condenado a permanecer em Calicute para aprendê-la (Bouchon 1985: 205).

Em outros casos, no que concerne a alguns linguas vindos de Ormuz, como Gaspar Martins, Gaspar Rodrigues ou Salvador Rodrigues, dúvidas pairavam porque Ormuz era conhecida como um porto de entrada para novo-cristãos de origem peninsular que iam para a Índia, além de ser uma importante comunidade judia[12].

Os intérpretes mulçumanos formavam um bloco à parte. Alguns deles foram convertidos ao cristianismo, outros não, de acordo com decisões que nos escapam hoje, ou talvez, tão somente em função de contextos e situações específicas. Khwaja Pîr Kulî (Coja Percolim), um intérprete persa, esteve presente no momento da assinatura do tratado de concessão de Bassaim na companhia do intérprete de Estado Marco Fernandes no dia 23 de dezembro de 1534. Não convertido, ele foi frequentemente usado pelas autoridades de Goa, talvez devido ao seu alto status social. Ele era um comerciante respeitável, não apenas um lingua (Couto 1995:120) [13]. Todavia, o intérprete pessoal de Lopo Soares de Albergaria (1515-1518), Miguel Nunes, uma vez comerciante mulçumano, foi convertido ao cristianismo (Couto 1988: 249). Garcia de Noronha, um espião e lingua de D. Garcia de Noronha, igualmente um convertido, era originalmente turco (Aubin 1974: 182).

O celebrado Sidi Ali, “O Torto” (apelido que se referia a um estrabismo), Mouro de Granada que se estabeleceu em Gujarat, representa um caso especial. Ele não era um intérprete permanente para os portugueses, mas sim um lingua para um grupo de prisioneiros em Chaul em 1508. Como recompensa por seus serviços, D. Francisco de Almeida o premiou com quatrocentos cruzados em fevereiro de 1509. Como um exemplo definitivo de solidariedade geocultural, ele protegeu pessoalmente o grupo de portugueses presos e evitou que fossem enviados a Constantinopla contrariando os desejos do almirante mameluco Amir Huseyn al-Kurdi.[14]

Ainda mais surpreendente é o caso de João de Santiago. Uma vez escravo mulçumano de sutil engenho, este aventureiro e intérprete veio da África do norte. Ele recebeu um nome cristão quando se converteu em Lisboa, onde um calafate o tinha comprado e a ele ensinado a sua arte. Quando este último partiu em um dos primeiros navios enviados à Índia, João de Santiago o acompanhou. Após a morte de seu mestre em Goa, e emancipado em testamento, ele começou a vender pedras preciosas em Kanara, graças ao dinheiro que havia conseguido economizar. Convertido ao hinduísmo, ele se tornou um personagem influente no tribunal local. Um reverso na sorte e várias intrigas o levaram a buscar refúgio em Goa de onde embarcou para Ormuz. Em tal cidade, ele começou a servir o rei, retornou ao Islã e continuou suas atividades sob a identidade de um comerciante mulçumano. Rivalidades nos negócios e sua arrogância como um protegido (protégé) do soberano obrigaram-no, entretanto, a se refugiar novamente entre os portugueses. Nuno da Cunha, sem forçá-lo à conversão ao cristianismo, o enviou a Cambay como língua (na companhia do secretário Simão Ferreira) para assinar o tratado de paz relativo à cessão de Bassein.

Esta missão talvez justifique sua permanência como mulçumano, tendo em vista que sua religião apenas facilitou o desenrolar das conversas. De acordo com Diogo do Couto, Simão Ferreira acabou por ceder João de Santiago a Bahadur Shah, de quem ele se tornou favorito e de quem recebeu vinte mil cruzados sem contar o que lucrava com vendas nas vilas. Seu serviço ao novo mestre durou pouco. Logo em seguida da morte precoce do Bahadur Shah em 1537, Santiago acabou sendo apedrejado pelos portugueses num motim que ocorreu no mar ao largo da costa de Diu (Couto V/I cap.X: 104-107).

Exatamente como todas as outras categorias na fronteira da sociedade, os línguas foram também motivados pelo interesse econômico. A quantia que recebiam como intérpretes não era considerada suficiente num ambiente onde muitos indivíduos, oficiais da Coroa, casados e negociantes-comerciantes tentavam a todo custo fazer fortuna.  É certo que, salvo exceções, o língua que, ou acompanhava uma delegação, ou servia como um emissário, ou mesmo servia como informante, sempre tinhaa possibilidade de receber - ao invés de pagamento (algumas vezes secreto) inerente à especificidade de sua missão - pequenas doações de acordo com o costume oriental oferecido pelos reis potentados locais que eles visitavam. Gaspar Martins, intérprete da delegação de Fernão Gomes de Lemos para o Shah Isma’il recebeu cento e cinquenta cruzados dessa forma, como fez o vendedor Gil Simões (Castanheda I/III, cap.XLVII: 845)[15].

Mas tudo isso não foi suficiente para fazer fortuna. Mesmo se observarmos as reclamações habituais dos servos da coroa na Ásia em termos relativos, João Garcês, que se caracterizava como “um peão provado” (hu prove pyam) reclamou amargamente que ele não “tinha comida para comer como outras pessoas que compram e vendem’ (ter de comer como estoutras jemtes que compram e vendem), afirmando que “que o salário não era suficiente para pagar nem os tonéis [em que os salários eram transportados], uma vez que o salário básico era de 12.000 réis por ano e 6 cruzados como ajuda de custo” (ao soldo e mamtimento nom mabasta pera pagar os tones em que amdam porque sam doze mjll rs cada ano e sei cruzados de montimento), somente para concluir: “Senhor, você deveria se certificar de que um liíngua tem que comer na proporção do serviço prestado por ele” (olhay senhor que hua ljmgoa de Vosa Alteza nam ter que comer quanto servjço ha de dar) (Albuquerque, Pereira da Costa 1990: 329)[16].

Por essa razão, os encontramos em atividades comerciais, da mesma forma que os casados, mesmo as ilícitas, tais como o contrabando de pimenta do reino (Disney s/d: 69/70)[17]. Não obstante, a atividade do intérprete podia igualmente servir de passaporte, se não para amealhar fortuna, pelo menos que servisse para obter certa influência ao nível local. Vários mercadores-aventureiros, mercenários ou renegados portugueses, ao servirem de assessores a poderosos asiáticos, acrescentavam a sua competência as funções de secretários-intérpretes, o que por sua vez substancialmente aumentava o seu poder. Bhuvaneka Bahu, Rei de Kotte, por exemplo, foi capaz de grande reconhecimento da obra de Antonio Ferreira e Antonio de Fonseca que o serviram na capacidade de línguas e funcionários por volta do ano 1540 (J. Flores [1993]: 140)[18].

Contudo, o status dos línguas  não foi sempre tão desfavorável. Embora só disponhamos de documentação atinente à primeira metade do século 17, poder-se-ia ainda destacar o caso específico da China nesse período. Desde tempos imemoriais, o império chinês foi caracterizado por uma atitude de rejeição a despesas com fortalezas (p.54), mas o intérprete do juiz de Ormuz (conhecido como ouvidor) recebia um salário de 7.200 réis por ano (600 réis por mês) (p.24).  Há documentos que mostram que esse língua podia chegar a proprietário de terra e imóveis: vide, por exemplo, O Tombo de Diu,…., p. 135 (terras do língua Aleixo Gomes).

Alguns salários de intérpretes particulares são também conhecidos. Os vencimentos do língua do feitor de Chaul estava incluído nas disposições gerais para regular a vida de estrangeiros ou suas comunidades, considerando-os pessoas estranhas cuja presença somente poderia ser tolerada à medida que esses se submetessem à integração compulsória. De acordo com a aplicação desses princípios, os estrangeiros de Macau eram considerados chineses e forçados a atender os ditames da lei chinesa. Os intérpretes cuja função era identificada como a permanência indevida da identidade estrangeira eram severamente perseguidos. Os línguas da delegação de Tomé Pires chegaram a ser executados por essa condição e suas mulheres acabaram vendidas como escravas (Flores [1993]: 4)[19].

Para além desses aspectos, uma série de características específicas nos obriga a adotar um modo distinto de conceber a existência e o emprego de línguas aqui. A estrutura burocrática do Estado Chinês, a existência problemática de uma lingual escrita com ideogramas, e a falta de assistência por parte de comunidades estrangeiras que servissem como intermediárias linguísticas – elas se expressavam em chinês – do mesmo modo que a falta de inserção de mercadores-aventureiros na estrutura política local levava à criação de estruturas formais, burocratizadas, como não se via em outros rincões do Império Português no Oriente. Para responder a essa situação e confrontar a burocracia imperial de forma sistemática, uma junta linguística municipal foi criada em 1627. Essa equipe empregava um total de cinco homens: um língua principal assessorado por dois línguas assistentes e dois atendentes (Ibid.: 7).

Considerando-se que esse grupo ficava encarregado da credibilidade da cidade nas suas relações com o Império, os intérpretes não podiam, portanto, permanecer marginalizados no sentido exposto acima. Eles poderiam, na pior das hipóteses, ser economicamente marginalizados: agricultores deslocados que, tendo abandonado sua terra, corriam para a cidade e eram empregados pelas autoridades para exercer seu ofício delínguas (Ibid.: 8).

Um dos raros aspectos mantidos em comum por esses intérpretes, assim como por suas diferentes trajetórias mencionadas até agora, foi o da sua conversão ao cristianismo. Contudo, no que concerne a Macau, o objetivo era não somente garantir a fidelidade do intérprete, mas também evitar que caísse na marginalidade. A necessidade de reforçar a respeitabilidade dos línguas assim como a sua identificação com a sociedade hospedeira pode ser reconhecida pelo fato de a eles ser concedido o status de casados.  Essa condição tornava o lingual num indivíduo enraizado e por isso mais facilmente controlado pela sociedade. Vale a pena notar que os seus salários eram consideravelmente superiores aos de outros intérpretes do império português no Oriente (Ibid.: 9).

Também significativo nessa política de estabilização, planejamento e projeção por “longo tempo” era o fato de que famílias de jurubaças  eram constituídas para servir a cidade de Macau. O pai e o irmão de um dos mais destacados intérpretes da cidade por volta de 1620, Simão Coelho, eram também eles mesmos intérpretes e o ofício seria perpetuado nas gerações seguintes (Ibid.: 9)[20]. Com o propósito de preparar gerações vindouras para o longo prazo, podemos também notar a originalidade da preparação de futuros línguas.  Essa tarefa estava a cargo do   intérprete principal ao qual cabia criar uma escola de verdade, recrutando crianças e jovens para receberem  treino integral a fim de que depois viessem a atuar como línguas.Essa formação era basicamente linguística, mas também demandava um conhecimento de leis e costumes, uma iniciativa fortemente justificada pela alçada de atribuições conferida aos línguas (Ibid.: 11).

Se na Índia, durante o século 16, os intérpretes de Afonso de Albuquerque (certamente outros também) executavam funções administrativas como o pagamento de soldos militares, a gestão da edificação de fortes e a seleção de presentes a serem oferecidos a realezas locais, eles não possuíam, contudo, outras responsabilidades político-administrativas no nível institucional. Mas os linguas de Macao ganharam uma série de responsabilidades que não vemos em qualquer outro sítio: eles foram incumbidos do censo e mapeamento da população chinesa na cidade; a eles competia evitar qualquer interferência da autoridade mandarim com aquela assembleia municipal e, sobretudo, deles se esperava que mantivessem um registro escrito do contato político e diplomático com a Administração Imperial (Ibid.: 12)[21].

Contudo, respeitáveis como eram os intérpretes de Macau, as funções que exerciam não podiam escapar da pecha de serem informantes secretos.  Os serviços prestados a uma cidade e à defesa dela que eram parte de um Império xenófobo apresentavam, de outra feita, outra faceta dessa espionagem: elas não serviam como estratégias disparatadas, individuais ou coletivas, mas representavam, antes, e de modo coeso, os interesses e a ação política de uma cidade-estado. Essa atividade de espionagem era, na verdade, vital para a cidade ficar ciente do que havia sido escrito sobre ela, e ademais do que circulava no continente. Igualmente importante era a necessidade de projetar por meio dos línguas uma imagem favorável da comunidade no continente.

Dejanirah Couto
École Pratique des Hautes Études
Section des Sciences Historiques et Philologiques – Paris
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Tradução
José Carlos Paes de Almeida Filho (UnB)
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Júlia Maria Antunes Barros (SEEDF)
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[1]Este trabalho não trata de intérpretes pertencentes a ordens religiosas: vide, para esse último exemplo, Cooper 1994.

[2]Couto  The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, número 2, Winter 2003 2.

[3]Na sua carta de 1506(?), (Albuquerque e Pereira da Costa, 1990: 313), Gaspar da Gama declara a D. Manuel que seu filho deve ser atendido porque “é um homem tão bom como eu e sabe muito mais sobre línguas do que eu e é um homem jovem de 28 anos” (he tam bom homem como eu e sabe lyngoas majs que eu e mançebo de xx viij annos).

[4]Sobre a sua pessoa, sua capacidade e carreira, vide Castanheda, II/VII, cap. LXIX, pp.487-488; Correia, III/II, cap.LXII, pp.502-504, e cap. LVII, pp.602-609; Couto, V/I, cap.III, p.37.

[5]Apesar de sua admiração pelo governador, Correia mostra que o comportamento de Albuquerque não era sempre honesto; por exemplo, Albuquerque fez “um trato” com o seu intérprete judeu (Francisco de Albuquerque?), para extorquir uma quantidade significativa de rubis de um rico comerciante de Batkal (Correia, II/I, cap.XLVI, pp.388-390).

[6] Sobre o episódio de Benguela, cf. Bouchon e Thomaz 1988: 252-253 [fº76 b], e sobre as instruções para a embaixada, Correia, II/I, chap.X, p.72. Couto The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, number 2, Winter 2003 3

[7]Couto The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, number 2, Winter 2003 4

[8] Vide sua carta, de Cochin, 2.I.1529, AN/TT, CC,I, 24, 3, publicada por Luís Albuquerque e José Pereira da Costa, «Cartas de «Serviços»...», doc.VI, p.328-330, especialmente p.328. Para a embaixada de Gaur, vide Bouchon e Thomaz 1988: 241 [fº66 a]. Veja-se também o exemplo de Duarte Barbosa, preso por Afonso de Albuquerque, “porque ele é um intérprete e causa todas essas revoltas” (porque ele he lymguoa e causa de todas estas revoltas): Bouchon 1985: 205.

[9]Vide sua carta, de Cochin, 2.I.1529, AN/TT, CC,I, 24, 3, publicada por Luís de Albuquerque e José Pereira da Costa, «Cartas de «Serviços»...», doc.VI, p.328-330, especialmente p.328. Para a embaixada para Gaur, vide Bouchon and Thomaz 1988: 241 [fº66 a]. Veja-se também o exemplo de Duarte Barbosa, preso por Afonso de Albuquerque, “Porque ele é um intérprete e causa de todas essas revoltas” (porque ele he lymguoa e causa de todas estas revoltas): Bouchon 1985: 205. Sobre o jovem Abyssinian, «mancebo abexim» cf. AN/TT, Corpo Cronológico (CC) I, maço 12, documento 36 (de Cananor, 1.XII.1512). Sobre os intérpretes de Ormuz, vide Farinha 1991: 30 [Pagamentos feitos pelo «feitor» de Ormuz em 1516-1517] e p.44 [Livro de Receita e Despesa da Feitoria de Ormuz (doc.nº7)]. «Gamgua Guzarate» que era intérprete na Fortaleza é certamente o «Ganda Chatim», «gentio de Goa que sabia bem fallar a lingua dos guzarates», de Correia, enviado em 1514 como « língua» com a embaixada de Diogo Fernandes de Beja para o Gujarat (Correia, II/I, cap.XLIV, p.368). Castanheda diz que o «lingua» dessa embaixada foi Duarte Vaz, mas ele menciona um brâmane chamado Anagapatu, ou Ganapatu, possivelmente Ganda Chatim, responsável por obter o salvo-conduto para a embaixada (Castanheda, I/III, cap.CXXVII, p.803, e CXXXI, p.810).

[10] Para uma visão geral de suas viagens, vide Tavim 1994: 173-185.

[11] Alguns comerciantes judeus também foram «línguas» na corte de alguns reis locais; ver o caso de Samuel Castiel, na primeira metade do século XVII em Cochin (Subrahmanyam, 1987). Couto The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, n. 2, Winter 2003 5

[12]Para Gaspar Martins, vide Castanheda, I/III, cap.CXLVII, p.845; sobre Gaspar Rodrigues, já citado, ver também Castanheda, I/II, cap.LIII, p.326. Salvador Rodrigues é citado por Aubin 1988: 417-432. Um dos dois primeiros deveria ser Gaspar Pires, cristão novo e boticário» em Cochim em 1509, em missão em Onor em 1512 na corte Nizâmul-Mulk, em 1514 ; subsequentemente, ele integrou a embaixada enviada ao Shah Isma'il em 1515 como «língua» (Aubin 1993: 24-25). About the Jewish community of Ormuz, cf. Fischel 1950: 209-210/216-218; o itinerário de Ormuz é citado por Cunha, 1995: 48/56/58.

[13]Sobre Khwaja Pîr Kulî, um amigo do grande naturalista Garcia de Orta, cf. a carta de Rui Gonçalves de Caminha a D. João de Castro, [de Goa, 4.II.1547], in Cortesão e Albuquerque w.d.: 358, bem como o Livro que trata das Cousas da India e do Japão, 1957, (25), p. 132-133. Ver também para Marco Fernandes e Khwaja Pîr Kulî, Matos 1999: 62/65 e 70-71.

[14] Correia, I/II, cap.IV, p.943, e Castanheda, I/II, cap. LXXXI, pp.401-402, e cap. CI, pp.441-442. Cf. em CAA, II, p.429, o «mandado» de D.Francisco de Almeida para «Cide Alle Baci, andaluz» (feito a bordo do Froll de la Mar 6.II.1509). Cf. também a carta já citada de Tristão de Sá, por Candeias Silva 1996: 356. Couto The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, number 2, Winter 2003  6

[15] Fernão Gomes de Lemos recebia 300 cruzados  e «hu terçado goarnecido douro».

[16] Para variações de salários, vide Matos 1999: o «lingua» do Vice-rei ganhava 30.000 réis por ano (p.65); mas o do Rei de Ormuz recebia 125.590 réis (o equivalente a 9 lack) (p.27), o do Rei de Cochin, 15.600 (p.103); o da alfândega def Ormuz em 1571, 10.500 réis por ano (p.28); o intérprete do forte de Damão, 12.000 (p.38); o de Tarapor, 7.500 (p.41); o de Quelmemahim, 7.200 (p.41); o de Açarim, 8.640 (p.45) ; a arrecadação de Dabul era tão baixa que o salário do seu intérprete não chegava a ser mencionado especificamente (p.57); o de Cananor, 14.400 (p.99); o de Cranganor, 4.600 (p.101); o de Cochin, 9.600 (p.103); o dos pequenos fortes de Coulan e Coulicouran, um total de 21.600 (p.106); o do Ceylan, 6.000 (p.108). Os linguas dos capitães de fortalezas mais importantes eram mais bem pagos: o de Bassein, 20.000 (p.49); o de Diu, 20.000 (p.33); mas o língua de Goa recebia apenas 12.960 (p.76); o salário do intérprete de Barcalor era de 14.400 réis (p.93); o de Mangalor, 14.400 (p.96); o de Onor, 12.000 (p.89) e o de Chaul, 7.200 (p.53).

[17]Eles auxiliavam os oficiais da administração quando os impostos territoriais eram realizados. O tombo de Diu…, p.88.

[18]Vide, para os renegados, Couto, 2001: 178-201, publicado também (com notas criticas adicionais) no Mare Liberum, 16 (1998), pp.57-85; Lima Cruz 1995: 39-47; Subrahmanyam 1994 e 1990; Coates 1998: 147-155. Couto The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH, Vol. 1, number 2, Winter 2003 7.

[19]Sobre a embaixada, vide também Ptak 1992: .290-291, a Suma Oriental de Tomé Pires e o Livro de Francisco Rodrigues, (transcrição e notas de Armando Cortesão), 1978: 21-61, especialmente a p.51. Essa tentative de evitar a aculturação dos chineses era especialmente voltada para os renegados que eram considerados “chineses portugueses” (Chineses aportuguesados) (Flores [1993]: 4), e isso explica também as ofensas diárias de que os jurabaças (línguas) eram vítimas em Macau durante o século 17 (Ibid.: 4).

[20]Para o século XVI temos o exemplo já mencionado de Gaspar da Gama, que tentou transferir o seu cargo para o filho.

[21]Eles também podiam atuar como agentes da segurança marítima: em 1651 osjurubaças da cidade, com a ajuda dos chineses, puderam tomar onze barcos pirata que fugiam do Cantão (Boxer 1985: 133, carta do governador e major capitão de Macau, João de Sousa Pereira, ao vice-rei da Índia [2.XII.1651] em Couto ‘The Role of Interpreters, or Linguas, in the Portuguese Empire e-JPH’, vol. 1, number 2, Inverno de  2003.