Ano 6 - Nº 6 - 1/2012

9. O Ensino das Línguas Vivas: Seu Valor, Sua Orientação Científica

Resenha Histórica
CARNEIRO LEÃO, Antonio. O ensino das línguas vivas: seu valor, sua orientação científica[1]. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935. (341p).

O ensino de línguas no Brasil, sobretudo o ensino de línguas estrangeiras, sempre foi palco de muitas controvérsias no âmbito teórico-prático. Na prática, a história mostra mais precisamente descaso.  Prefaciando sua obra, Carneiro Leão (1935, p. 17) afirma justamente isso: “o ensino das línguas vivas sempre foi um dos pontos mais fracos da educação secundária brasileira”. O ensino das línguas em nosso país era ofertado nas escolas comerciais, nas quais “muito pouco se fazia em seu benefício” (CARNEIRO LEÃO, 1935, p. 17), evidenciando, dessa forma, o pouco comprometimento de nossas autoridades com o ensino de línguas estrangeiras naquela época.  Mas, tal fato não foi simplesmente um caso isolado do século passado. Ainda hoje, quase cem anos mais tarde, o cenário teima em não se deixar mudar na escola brasileira. Delatorre (2007, p. 396), postula que a LDB, em suas duas últimas versões – 1971 e 1996, não dispensam muita atenção ao ensino de línguas estrangeiras nas escolas brasileiras[2], e isso explica, em parte, o estado de abandono e caos vivido no ensino de línguas no sistema escolar.

A obra de Antonio Carneiro Leão parece querer nos mostra um panorama mundial melhor quanto ao ensino de línguas e enfoca a realidade brasileira mais substancialmente no momento esperançoso de transformação com a implantação do internacionalmente aclamado método direto no ensino secundário brasileiro. O livro está dividido em dezessete capítulos, nos quais o autor nos oferece dados históricos descritivos e até certo ponto interpretativos do ensino de línguas em diversos países da Europa, Ásia e América.  O quadro dos países apresentados, segundo o autor, caracteriza-se pelo “interesse sobre os sistemas de educação” (p. 18), mostrados por se tratar dos “países mais avançados em educação” (p. 19) no cenário mundial daquela época.

Iniciando sua obra, Carneiro Leão faz um breve relato sobre a Reforma de 1931, implantada em 1932, e conhecida como Reforma Francisco de Campos, a qual promoveu uma verdadeira revolução no ensino secundário brasileiro, incluindo o ensino das línguas estrangeiras em nosso país. Ao escrever a obra, o objetivo principal alegado pelo autor foi o de contribuir para a melhoria da qualidade da formação de professores de línguas no cenário brasileiro. Nas palavras do autor, sua obra visa

contribuir para que os futuros professores brasileiros de línguas vivas encontrem um livro, no qual possam obter uma noção do problema do ensino dessa disciplina, em seus múltiplos aspectos, nos mais adiantados sistemas educacionais do mundo. Por isso a matéria foi exposta com um certo método didático [...] e a bibliografia mais acessível ao estudante brasileiro (CARNEIRO LEÃO, 1935, p. 19).

No Capítulo I, o autor discorre sobre as aulas de grego e latim e de como surgiu a necessidade de sua tradução após a morte desses idiomas clássicos, e de como tal abordagem foi aplicada ao ensino das línguas vivas.  O autor ainda descreve minuciosamente o método direto e como se dá sua aplicação de forma científica, situando claramente a tradução, a gramática e a cultura na nova proposta. O autor ainda fala da importância do rádio, do disco, do teatro, do cinema e do laboratório em prol do ensino de línguas. Além disso, Carneiro Leão faz uma introdução aos países abordados na obra e ressalta o problema da qualidade da formação de professores, tanto no Brasil quanto nos demais países.

Nos capítulos de II a XVI, o autor descreve as condições e práticas de ensino de idiomas nos países que mais se destacavam no cenário do ensino de línguas estrangeiras vivas naquela época. Os países que mereceram a atenção de Carneiro Leão foram a Alemanha, a Áustria, a Bélgica, a Finlândia, a França, a Holanda, a Inglaterra, a Noruega, a Suécia e a Suíça na Europa, a Turquia no Oriente Médio, o Japão na Ásia, a Argentina e o Chile na América do Sul e os Estados Unidos na América do Norte.

Em todos esses países, a preocupação e seriedade no trato com o ensino de línguas estrangeiras vivas é muito grande chegando, em alguns países, a serem ensinadas seis dessas línguas nos cursos equivalentes hoje ao nosso Ensino Fundamental e Ensino Médio. Outra preocupação recorrente nesses países é com a formação adequada dos professores de línguas.

A formação adequada de professores de línguas vivas é uma tarefa árdua e o tempo para essa formação pode chegar a vinte anos, como ocorre na Alemanha. Em muitos países, para formar-se professor de uma língua estrangeira viva é necessário (além do comando adequado da língua-alvo) o conhecimento aprofundado da história da língua, bem como da civilização e cultura do país ou países nos quais tal língua é falada.

No capítulo XVII, o Prof. Carneiro Leão retoma o ensino de línguas no Brasil, primeiramente fazendo um retrospecto até 1931, enfatizando a asserção de que o ensino das línguas estrangeiras até então tinha sido produzido segundo o “velho método da tradução e da gramática” (CARNEIRO LEÃO, 1935, p. 261), e, seguindo, depois, com a caracterização da renovadora Reforma Francisco de Campos, em 1931.

A Reforma de 1931 iniciou-se no Imperial Colégio de Pedro II, ou apenas Colégio Pedro II, como é conhecido até hoje. As instruções de implementação publicadas em 1932, ou simplesmente Instruções como ficou conhecido o documento público que normatizava o ensino das línguas estrangeiras, dentre outras providências, exigia que a língua fosse falada da forma como era produzida pelos seus falantes e pelos jornais que a reproduziam de forma similar aos bons escritores daqueles países onde a L-alvo era falada. A aula era esperada toda na língua estrangeira e, quando traduzidas, as palavras deveriam produzir equivalência direta do objeto ou estado a que se referia, e não apenas equivalências das palavras em língua vernácula, coibindo dessa forma as confusões de significados.

O autor relata ainda o sucesso do processo de ensino e aprendizagem das línguas estrangeiras ofertadas no Colégio Pedro II: o inglês, o francês e o alemão. O autor evidencia o prazer dos alunos que, após dois anos de experiência com o método direto, já eram capazes de se expressar na L-alvo.

Antonio Carneiro Leão também trata em sua obra da importância de se escolher um material didático que considere todas as características do povo ao qual se destina, especialmente os fatores culturais. O autor ainda apresenta o passo-a-passo para a implantação do método direto.

Dessa forma, a obra é encerrada mostrando que é possível implantar-se um ensino de línguas de boa qualidade, comparável aos dos melhores modelos de ensino do mundo. Assim como o autor, pressuponho que é possível melhorar a qualidade do ensino de línguas em nosso país começando por uma ação de suma importância: a melhoria da qualidade da formação dos professores dessa disciplina.

Referências

  • DELATORRE, F. EFL teacher’s education and the importance devoted to pronunciation in Brazil. In: ABRAHÃO, M. H. V.; GIL, G.; RAUBER, A. S. (Orgs.). Anais do I Congresso Latino-Americano sobre Formação de Professores de Línguas. Florianópolis, UFSC, p. 396-409, 2007.
  • SOUTO FRANCO, M. M. Resenha Histórica: SCHMIDT, M. O ensino científico das línguas modernas. Rio de Janeiro: Editora Briguiet & Cia, 1935. Revista HELB. Ano 4. N. 4. 1/2010.

[1]              Este livro é uma obra pioneira sobre o ensino de línguas estrangeiras no Brasil. O autor nos mostra o estado da arte do ensino de línguas no Brasil naquele momento histórico e apresenta a situação do ensino de línguas em diversos países da Europa, Ásia e América do Sul e do Norte, além de descrever de forma clara e minuciosa os diferentes métodos para o ensino de línguas estrangeiras utilizados ao redor do mundo até aquela data.

[2]              No original: (LDB) […] does not pay much attention to foreign language teaching in Brazilian schools […] (DELATORRE, 2007, p. 396).