Ano 7 - Nº 7 - 1/2013

Didática Especial de Línguas Modernas

RESENHA HISTÓRICA

CHAGAS, V. Didática especial de línguas modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.

Atuante na regulamentação do sistema de educação brasileiro, Valnir Chagas (1921-2006), professor de línguas, contribuiu valorosamente para a história do ensino de línguas no país. A obra aqui resenhada, Didática Especial de Línguas Modernas, foi o primeiro livro por ele publicado em 1957. Como Anísio Teixeira destaca em seu prefácio, é um documento sólido, sensato, rico e moderno acerca do ensino de línguas, de extrema relevância, diante da “pobreza de nossa literatura didática” (p. XI).

Em onze capítulos, o autor apresenta diversos aspectos envolvidos no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Inicialmente, expõe um histórico do aprendizado de línguas, paralelamente aos acontecimentos históricos ocorridos na Europa e no Brasil, e prossegue tratando dos objetivos do processo de ensino-aprendizagem, dos conteúdos a serem ensinados-aprendidos e da prática de ensinar-aprender.

O primeiro capítulo dedica-se ao período da Renascença à Revolução Industrial, tendo como ponto de partida a formação e desenvolvimento do Método Tradicional, com o ensino dolatim e o papel da tradução e difusão de obras de pensadores greco-romanos. Em seguida, o autor apresenta as reações ao Método Tradicional, que se materializaram por meio de métodos de ensino rígidos e unilaterais, sobretudo com o desenvolvimento da Fonética.

Considerando o período compreendido da Revolução Industrial até a época, no capítulo dois, Chagas (1957) tece explicações acerca do Método Natural, do Método da Leitura, do Método Psicológico, do Método Fonético, do Método Intuitivo, do Latim como Língua Viva, do Método Direto e do Método Científico.

O terceiro capítulo apresenta a evolução do ensino das línguas no Brasil, que como o autor destaca “confunde-se com a história da própria escola secundária brasileira” (p.83). Desde a vinda da Família Real (1808) até 1931, o ensino das línguas acontecia nos Colégios de Jesuítas. Em 1837, houve a criação do Colégio Pedro II e em 1855, modificações substanciais ocorreram no intuito de conformar o currículo das línguas às exigências culturais e sociais do país. Além desses fatos, o autor destaca a Reforma Capanema (1942) e a Lei de Diretrizes e Bases (1961).

O capítulo quatro versa sobre os objetivos do ensino de línguas, destacando que a missão confiada às línguas é “vária e complexa” e que um “método rígido e uniforme” (p. 108) não será capaz de realizá-la, mesmo que em parte. O autor identifica que o ensino de línguas possui objetivos ligados à formação integral do aluno e objetivos que tratam da própria natureza da língua estudada, propondo uma hierarquização entre esses últimos. Chagas (1957)discute também como dispor tais objetivos no curso de língua.

Para tratar dos conteúdos a serem desenvolvidos durante em um curso de línguas, o autor destina quatro capítulos, do quinto ao oitavo.  Ao abordar o vocabulário, no capítulo cinco, classifica a escolha e a transmissão desse como “um dos aspectos mais fascinantes, e ao mesmo tempo mais complexos e importantes” (p.131) da didática das línguas à época. Segundo Chagas (1957), são dois os fatores fundamentais a serem considerados no que tange ao vocabulário: i) a seleção, que deve assegurar o estudo do que há de mais comum e útil na língua-alvo; e ii) o ensino propriamente dito, o assunto abordado no próximo capítulo.

O sexto capítulo foi dedicado à questão didática. Para mostrar a complexidade desta questão, o autor nos lembra que, até então, todos os movimentos visando aperfeiçoar a metodologia de ensino de línguas desenvolveram-se em torno da própria língua. Além disso, ressalta que, antes de se constituir na forma escrita, o vocabulário é expresso sob a forma oral, tratando especificamente de como se desenvolvera o ensino da pronúncia. Em seguida, aborda a escrita, partindo da questão dos significados, destacando os processos que se preconizam para o ensino do vocabulário.

A leitura, considerada pelo autor como a mais ampla das atividades de um curso de línguas, é discutida no sétimo capítulo, sendo salientada a sua importância para a aprendizagem. Já naquela época, observava-se o valor que o progresso dos meios de comunicação agregavam à oralidade, bem como o fato, do 'homem moderno’ ler pouco.

O Capítulo oito discorre acerca do tópico mais controverso no que tange ao ensino de línguas, na época e ainda hoje, a gramática. Ora deseja-se eliminá-la, ora hipertrofiar-lhe a função sistematizadora, entretanto o que observa-se é que a gramática é um elemento indispensável no processo de ensino-aprendizagem de línguas. Além de traçar a evolução do papel da gramática neste contexto, também aborda a seleção do conteúdo gramatical e o ensino da gramática. O autor finaliza demonstrando uma técnica de ensino da gramática. Consideramos esta discussão muito atual e observamos que as reflexões apresentadas por Chagas (1957) têm eco ainda nos dias de hoje.

Ao tratar da prática em sala de aula, o autor aborda os exercícios, os recursos complementares e a verificação da aprendizagem.  No capítulo nove, conceitua o termo exercício como sendo as atividades realizadas com o intuito de levar o aluno a desenvolver suas competências na língua-alvo, fazendo com que a aprendizagem seja mais “nítida” e “sólida” (p.321). Porém, ressalta a necessidade de variar seus elementos constitutivos, para que esses não percam seu valor pedagógico. Ou seja, a qualidade é que faz com que os exercícios (orais ou escritos) e suas repetições sejam úteis para o processo de aprendizagem de uma língua, e não a quantidade.

Além disso, frisa que a correção é uma tarefa árdua, pois deve partir da ideia de que a aprendizagem é uma descoberta do aprendente e por isso o papel do professor é levar o aluno à autocorreção, o que era difícil de executar à época e continua sendo nos dias atuais, devido aos modelos de avaliação vigentes nas escolas contemporâneas. Assim, a questão do papel do aprendente em sua aprendizagem de línguas é amplamente discutida por meio da compreensão da aprendizagem por tarefas e por projetos, enfim, destacando que a ação do aprendente é determinante para o sucesso do mesmo.

No capítulo dez, Chagas (1957) elucida os diversos recursos complementares disponíveis para os professores fazerem uso nas aulas de línguas. Tais recursos são divididos em três tipos: meios auxiliares, sala e laboratório de línguas, e atividades extracurriculares. Os primeiros englobam desde o uso do quadro negro, passando pela utilização de projeções, gravador, rádio e televisão. É possível observar que o ensino de línguas foi pioneiro em lançar mão de recursos técnicos audiovisuais em seu cotidiano escolar, e que novos meios auxiliares ainda surgem com o desenvolvimento da sociedade contemporânea. Sendo assim, pode-se acrescentar outros à lista do autor, tais como o Datashow e a internet.

O livro encerra-se com a apresentação de um capítulo destinado a verificação da aprendizagem, assunto bastante debatido na atualidade. O autor expõe que o “exame é uma mal necessário” (p.427), servindo para reajustar o desenvolvimento do curso, discernir o aproveitamento dos aprendentes, auxiliar na seleção de novos alunos para os próximos cursos. Chagas (1957)evidencia que o essencial nas avaliações, objetivas ou dissertativas, é a existência de um problema que leve o aprendente a utilizar as noções adquiridas no decorrer do curso. Encerra frisando que nenhum processo de verificação pode deixar de lado a composição livre, pois é essa que permite ao professor ver o real progresso do aprendente.

Contrapondo-se ao histórico de desprestígio do ensino e da aprendizagem de línguas vivenciado no Brasil, principalmente por parte das instâncias governamentais, a obra confirma que adquirir uma língua estrangeira é essencial para enriquecer e refinar o pensamento, desmitificando fronteiras e possibilitando ao aprendente a busca por novos caminhos e oportunidades. Por isso, a importância histórica do livro se dá não só para os profissionais e estudantes do ensino de línguas, mas sim para todos os educadores, pois é de fato um livro de educação.