Ano 7 - Nº 7 - 1/2013

Avaliação de aprendizagem em FLE nos anos 1980: o livro didático Transition

Resumo

Nas sociedades atuais, o termo avaliação é empregado continuamente num campo ético que simboliza o valor do poder. Nas escolas de língua, essa expressão é utilizada fervorosamente. Mas quando é que ela é usada de forma obrigatória e quando de forma necessária? Quais seriam seus objetivos? Nos anos 80, um curso livre de Brasília de ensino de Francês Língua Estrangeira (FLE), adoptou o livro didático Transition para o nível intermediário. O presente artigo tem por finalidade apresentar como esse método avaliava os alunos em uma sala de FLE, destacando o conceito de avaliação diagnóstica.

Palavras-chave: FLE; avaliação diagnóstica; livro didático Transition.

ABSTRACT

In modern societies, the term evaluation is used continuously in a field that symbolizes the ethical value of power. In language schools, this expression is used fervently. But when is it used on a mandatory way and when so required? What are your goals? In the '80s, one free course for teaching French as a Foreign Language (FLE), adopted the textbook "Transition". This article aims to show how this method evaluated students in a FLE room, highlighting the concept of diagnostic evaluation.

Key words: FLE; diagnostic evaluation; the textbook Transition.

1.   Introdução

Nos dias de hoje, nós somos constantemente avaliados e avaliamos os outros, inclusive nós mesmo. Em todo caso, para estimar o valor do próprio trabalho ou do próximo, devemos ter conhecimento do tema abordado a fim de sermos coerentes com os nossos discursos e atos. Em escolas de língua, a avaliação é uma ferramenta importante que estabelece o nível do aluno, seja para entrar, sair ou passar de período. A seguir, analisaremos o tipo de avaliação do livro didático Transition numa escola de FLE.

Para tal, torna-se indispensável discutir o que significa aprendizagem em FLE, qual a finalidade de uma avaliação, o funcionamento do sistema de avaliação do livro didático Transition e também a noção de avaliação nos dias de hoje, respectivamente.

O domínio de uma língua estrangeira é de grande valor no mudo no qual vivemos hoje, um mundo globalizado. Falar somente uma língua não é o suficiente, temos que saber mais de uma para ampliar as possibilidades no mercado de trabalho, para enriquecer o nosso conhecimento, permitindo assim o descobrimento de outras culturas. Sendo assim, aprender o francês é descobrir ao mesmo tempo a língua considerada da cultura e também uma língua oficial de diversas instâncias jurídicas internacionais tal como a ONU.

Porém, estudar um novo idioma requer uma estratégia eficaz e moderna para que o aluno aprenda de maneira satisfatória e eficiente. A palavra FLE, Francês Língua Estrangeira, significa que a língua francesa é ensinada àqueles cuja língua materna é outra. O termo surgiu, segundo Robert (2011), nos anos 60, porém ele foi oficializado apenas em 1983. O autor aponta que o FLE designa revistas especializadas, obras direcionadas aos professores de FLE e manuais que propõem tarefas chaves para as necessidades de cada grupo de aluno, seja para fins profissionais ou pessoais.

Deste modo, conforme Robert (2011), o FLE desenvolveu diferentes estratégias para seu ensino. Ele priorizou a capacidade oral ao estudar a fonética, respeitou as especificidades culturais locais e as diferenças com as outras culturas, criou situações de comunicação, destacou a educação intercultural, a competência plurilíngue e a competência pluricultural, entre outros ao longo de diferentes métodos que queriam atingir os objetivos dos alunos.

2.   Diferentes métodos e livros didáticos para o ensino de LE

Até o início do século XX, o método[i] era tradicional.  Para Martinez (2011, p.51-54), o principal objetivo era a leitura e a tradução de textos literários analisando a gramática e o vocabulário, deixando a oralidade em sala de aula em segundo plano. No início do mesmo século, passou a ser o método direto. Martinez (2011, p.54-58) deixa claro que a tradução não era mais aceita, levando o professor a explicar por meio de imagens, frases, gestos, deste jeito, o aluno começou a pensar em francês mais cedo. A comunicação oral tornou-se essencial, nós aprendemos falando e agindo. O aluno aprendia a gramática de forma mais intuitiva.

Nos anos 50, o oral continuava sendo fundamental no método áudio-oral e audiovisual, de acordo com Martinez (2011, p.58-71). Encenações dos conteúdos aprendidos passaram a ser realizados. Os recursos de imagens e sons entraram em sala de aula graça às novas tecnologias. Duas bases fundavam esse método: a linguística estrutural (a valor de um termo é definido pelo seu oposto) e a psicologia do comportamento, trabalhando com a emoções e os sentimentos.

O método comunicativo apareceu nos anos 70-80. Segundo Robert e Rosen (2010, p.15-16), esse método considerava o aluno como ator social que sabia manusear suas capacidades e seus recursos com a intenção de conseguir se comunicar num contexto social. O aluno passou a executar diversas tarefas individuais e coletivas colaborando e agindo assim na sua aprendizagem. A auto avaliação foi implantada.  

Desde o ano 2000, o método de aprendizagem pela ação foi estabelecido. Ele mantém a ideia de que os alunos são atores sociais que desenvolvem um conjunto de capacidades em contextos e condições variados, conforme Robert e Rosen (2010, p.13-14). Esse método permite que os alunos trabalhem textos com características diferentes em campos diversificados. Os alunos aprendem a comunicar com os outros, mas também a agir com os outros. Esse método não exclui o anterior, ele o completa, desenvolve e precisa.

3.   Livro didático e a avaliação da aprendizagem

Para que tais métodos fossem aplicados em sala de aula, o livro didático[ii] tornou-se um recurso básico para o aluno e para o professor no processo ensino-aprendizagem, sendo um instrumento importante de difusão de concepções de conhecimentos, de valores e de identidade. Ele foi trabalhado em instituições e associações pelo mundo todo, inclusive aqui no Brasil em um curso livre de francês.

Os seis níveis de capacidade do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR) têm o propósito de comparar os resultados para garantir um diploma, um certificado ou uma avaliação formativa, de acordo com Tagliante (2005, p.34-36). Para ela, o QECR propõe aos sistemas educativos um mecanismo coerente e transparente com o objetivo de melhorar a comunicação, além de facilitar a troca de informações entre diferentes países. A autora ainda explica que o QECR não impõe nenhum método didático de ensino, nem como ensiná-lo. Ele apenas aponta clara e coerentemente aos alunos e aos professores o ensino e a avalição de conhecimento das línguas ao definir hierarquicamente os objetivos precisos a serem alcançados em cada capacidade de linguagem (compreensão oral, compreensão escrita, produção oral e produção escrita) em cada nível.  

Contudo, para certifica-se que tais capacidades foram adquiridas, os alunos fazem uma avaliação. Para Dalben (2002) existem as avaliações obrigatórias demandadas pelas instituições e há também aquelas necessárias que contribuem para o desenvolvimento de aprendizagem dos alunos. Damasco (2012) acredita que as auto-avaliações e as co-avaliações, mesmo quando elas não são requisitadas, fazem parte das avaliações necessárias. Ela ainda explica que os professores são livres para aplicar essas avaliações aos alunos pedindo que eles analisem sua participação, seus comportamentos, suas atitudes ou para averiguar um conteúdo preciso ou exigido pelo QECR. Cabe ao professor de escolher a avalição, podendo optar pelas duas.

Sordi (2002) torna claro que para conservar uma boa relação entre o aluno, o professor e a instituição é importante suavizar a situação da avalição. Segundo Damasco (2012), outro item importante é definir os objetivos comuns conforme à organização pedagógica. Eles são dinâmicos pois alguns são definidos antes e outros ao longo do processo de ensino.

Robert et Rosen (2010, p.24) demonstram que a auto-avaliação é realizada pelo próprio aluno por meios apropriados, sem recorrer à alguém ou à algo, para verificar seu aprendizagem. Os alunos tomam consciência do seu próprio conhecimento ao reconhecer seus pontos fortes e fracos, possibilitando uma melhor reorganização de estudo. A motivação também renasce vigorosamente, consequentemente, a dinâmica é fortalecida.  

A co-avaliação, segundo Damasco (2012), é executada em sala de aula e em grupo. Os alunos são avaliados por seus colegas. Pode-se dizer que é uma avaliação coletiva entre os próprios alunos e professor, provocando por meio de discussões reflexões sobre os progressos e as dificuldades encontradas ao longo do ensino. Os alunos também aprendem com a crítica, com a visão do outro. Damasco (2012) observa que o professor não é o único responsável pela avaliação, os alunos também têm a responsabilidade de estabelecer qual é a sua melhor maneira de estudar e aprender.  É um trabalho de cooperação.

O professor também pode enriquecer suas aulas com essas avaliações ao detectar possível falha no seu sistema de ensino e os interesses dos alunos. Ele consegue elaborar outra tática, determinar outro modo de ensino que seja mais adequado ao seu público. Segundo Damasco (2012), a auto-avaliação e a co-avaliação devem ser colocadas em prática num contexto que favorece um resultado positivo.

Conforme destacam Frison e Vianna (2000) um dos fatores também essenciais para a aprendizagem de uma língua estrangeira é o livro didático utilizado em sala de aula. Em um curso livre de francês de Brasília estabeleceu nos anos 80 o livro Transition, publicado pela editora Didier em parceria com a CREDIF (Centro de pesquisa e de estudo para a difusão do francês) em 1975. Ele era composto por noves lições depois do nível avançado e antes do curso de Nancy para adolescentes e adultos. Seu diferencial era o chamado pré-teste e o pós-teste. O primeiro era aplicado antes de começar uma nova unidade conforme uma professora que lecionava na época no curso livre e que hoje exerce a função de coordenadora. O professor distribuía um teste que continha as matérias a serem estudas pelos alunos. Depois ele o corrigia e o mantinha sem mostrar aos alunos. O segundo era realizado depois da matéria da unidade dada. O pós-teste era o mesmo que o pré-teste. O professor o corrigia, em seguida ele devolvia ao mesmo tempo os dois testes feitos. Deste modo, os alunos podiam então verificar diretamente o que eles haviam aprendido. Eles valorizavam as próprias conquistas.

Dois professores que trabalhavam então com tal sistema disseram que era um livro didático excelente, com resultados animadores. Observaram que os alunos achavam incrível o fato de poderem se auto-avaliar.

4.   Concluindo

De fato, o aluno pode ser responsável pela sua aprendizagem ao tomar consciência do que ele fez e do que ele faz, como ressalta Villas Boas (2002).  O feedback do conteúdo que ele aprendeu lhe permite reagir, se organizar, mudar de estratégias, contestar, argumentar, julgar seu próprio conhecimento. Inclusive os pessimistas são capazes de conferir o que aprenderam na unidade. Como destaca a autora, cada aluno traça intuitivamente seu caminho de aprendizagem com seu ritmo e seu conhecimento, lembrando que nenhum aluno chega em sala de aula zerado, sem bagagem e sem experiência.  

Muitos manuais possuem fichas de auto-avaliação hoje em dia. Segundo Tagliante (2005, p.78), elas começam com uma frase chave, como: Eu sou capaz de. Para a autora, essa avaliação é um meio para pensar concretamente no que aprendeu. O aluno é capaz de perceber se ele se subestimou ou se superestimou.

Essa avaliação inicial e continua que propicia uma avaliação dos conhecimentos, das aptidões e das competências já adquiridos pelos alunos é chamada, de acordo com Tagliante (2005, p.17), de avaliação diagnóstica. Ela é realizada ao longo do curso depois de cada etapa, permitindo a verificação do que foi aprendido.

A autora explica que é uma avalição preventiva. O professor, ao conhecer as dificuldades dos alunos, prepara suas aulas de maneira a adaptar às necessidades e dificuldades dos alunos. Algumas dificuldades são persistentes. Cabe ao professor e ao aluno de mudarem de estratégia.

As possibilidades de verificação dos resultados são variadas, afirma Damasco (2012). Os alunos podem elaborar um portfólio, uma discussão oral ou escrita, individual ou em grupo. É indispensável que o aluno entenda que o mais importante não é a nota, que pode ser dispensada, mas sim o seu desempenho.

O fato do os alunos terem uma noção do que vai ser visto na unidade e de não serem classificados como bons ou maus alunos por não saberem a resposta é um sistema bem interessante de ensino-aprendizagem. Os pré-testes informam aos alunos o que eles já sabem e o que eles aprenderam. Os pós-testes não são uma simples devolução de nota, é uma aprendizagem real e concreta que envolve um acompanhamento individualizado. O progresso é visualizado de forma clara.

As informações obtidas ajudam não somente o professor, mas também a instituição. Os resultados podem ser explorados, adaptados por vários professores para inovar a prática educativa.

Desta maneira, o livro didático Transition adaptou o sistema de avaliação de diagnóstica que consiste no sucesso do aluno em vez do fracasso, que se fundamenta na antecipação do conhecimento, melhorando as estratégias de aprendizagem do aluno e do professor.  Levando em consideração a evolução da aprendizagem em FLE, o fato dos alunos serem considerados como atores sociais capazes de se comunicar entre si em diversos contextos, além de estarem sempre sendo avaliados ou avaliando para afirmar o seu valor; seu conhecimento; sua identidade, não seria vantajoso retomar um método de sucesso?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • DALBEN, Ângela. I. L. F.Das avaliações exigidas às avaliações necessárias. In: Benigna Villas Boas. (Org.). Avaliação: políticas e práticas. Avaliação: políticas e práticas. Campinas - SP: Papirus, 2002, v. 01, p. 13-45. [Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico].
  • DAMASCO, Denise Gisele de Britto Damasco. Bilan des animations du PROFLE, module 3. Brasília, 2012.
  • FRISON DALLAGNOL Marli, VIANNA Jaqueline, MELLO CHAVES Jéssica, BERNARDI NAIMANN Fernanda. LIVRO DIDÁTICO COMO INSTRUMENTO DE APOIO PARA CONSTRUÇÃO DE PROPOSTAS DE ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, nov. 2000. Disponível em: <http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/pdfs/425.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014
  • GÉRARD, F.-M, ROEGIERS, X. (1993)- Concevoir et évaluer des manuels scolaires. Bruxelas. De Boeck-Wesmail (tradução Portuguesa de Júlia Ferreira e de Helena Peralta, Porto: 1998).
  • GOMES DE MATOS, Francisco. 1973. A influência de princípios da Lingüística em manuais para professores de inglês. Tese de doutoramento. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • MARTINEZ, Pierre. La didactique des langues étrangères. 2.ed. Paris: Puf, 2011.
  • ROBERT, Jean-Pierre; ROSEN Évelyne. Dictionnaire pratique du CERC. Paris: OPHRYS, 2010.
  • ROBERT, Jean-Pierre. Qu’est-ce que le F.L.E.?  Disponível em: <http://jeanpierrerobert.fr/2011/02/17/fle/>. Acesso em: 21 dez. 2012.
  • SORDI, Mara Regina L. de. Entendendo as lógicas da avaliação institucional para dar sentido ao contexto interpretativo. In: Benigna Villas Boas. (Org.). Avaliação: políticas e práticas. Avaliação: políticas e práticas. Campinas - SP: Papirus, 2002, v. 01, p. 42-64. [Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico].
  • TAGLIANTE, Christine. L’évaluation et le Cadre européen commun. Paris: Clé internationale, 2005.

1 Conforme Gomes de Matos (1973, p.77), método é “um sistema de ensino-aprendizagem baseado numa abordagem ou modelo teórico e caracterizado por um componente abstrato – princípios ou verdades gerais em que se baseia – e um componente concreto ou diretamente observável às técnicas pedagógicas e os produtos utilizados pelo professor ou por alunos”.

2Gérard e Roegiers (1998, p.19), o definem como “um instrumento impresso, intencionalmente estruturado para se inscrever num processo de aprendizagem, com o fim de lhe melhorar a eficácia”