Ano 8 - Nº 8 - 1/2014

O Ensino de Línguas no Brasil/Europa (1500-1930)

Resumo:

Este trabalho visa oferecer uma análise sintética sobre os principais fatos históricos ocorridos tanto na Europa como no Brasil no que concerne ao ensino de línguas. A análise se detém ao período específico de 1500 a 1930, buscando mostrar as contribuições e ideias europeias que influenciaram diacronicamente no ensino das línguas no contexto brasileiro. Espera-se com a periodização paralela entre o Brasil e a Europa orientar o professor de línguas em relação àsmudanças ocorridas na metodologia do ensino das línguas, no papel do professor e nas relações que se estabeleceram entre esses componentes ao longo do tempo, incentivando assim este profissional a uma tomada de consciência que o permita refletir sobre a sua própria prática.

Palavras-Chave: Ensino de línguas, História, Brasil, Europa.

Abstract

This paper aims to provide a concise overview of the major historical events that took place both in Europe and in Brazil with regard to language teaching. The analysis comprehend the period from 1500 to 1930, showing European contributions and ideas that influenced diachronically language teaching in the Brazilian context. It is expected that this parallel timeline between Brazil and Europe directs language teachers to better understand the changes in the language teaching methodology, the teacher's role and the relations established between these components over time, encouraging  this professional to an awareness that enables him/her to reflect on his/her own practice.

Keywords:Language teaching, history, Brazil, Europe.

Introdução

Entender a história do ensino de línguas é, acima de tudo, compreender o processo de formação cultural de um povo, seu modo de pensar e também de agir. Nossa história nos aponta muitas das razões pelas quais temos tido dificuldades na implantação de um ensino de línguas mais eficaz e com maior oferta em nosso país.

O professor de línguas estrangeiras, ao adquirir conhecimentos sobre a os fatos históricos que envolveram o ensino e a aprendizagem das línguas no mundo e no Brasil se torna capaz de refletir acerca dos motivos pelos quais a cultura de ensinar línguas com o foco na gramática esteve tão presente até o final dos anos 30. Esta forma de ensinar, contudo, ainda se faz presente nas salas de aulas brasileiras, mesmo que comuma nova roupagem, isolando a gramática e abrindo maior espaço para a interação oral.

Tomaremos como ponto de partida os fatos referentes ao ensino de línguas na Europa, visto que o movimento de ensino de línguas se iniciou nessa região e, posteriormente, abordaremos os fatos históricos referentes ao ensino de línguas aqui no Brasil, estabelecendo umparalelo com os fatos europeus. Nosso aporte teórico está pautado nas contribuições de Chagas (1957), Almeida Filho (2007, 2010) e Leffa (2012).

1. Cenário Europeu

No cenário europeu, durante a Idade Média, a educação das línguas se caracterizava pelo ensino do latim que, naquela época, se desmembrada em dois tipos: o latim vulgar e o latim culto. A aprendizagem dessa língua sedava predominantemente por via oral.Somente nas cortes e nos conventos a leitura se apresentava como possibilidade de aprendizagem, sobretudo para aqueles que o estudavam ou o ensinavam com uma finalidade específica.

De acordo com Chagas (1957) esta forma de ensinar o latim, com a predominância da linguagem oral, começou a sofrer transformações profundas e radicais a partir do século XV, visto que, naquele momento se aspirava difundir a línguaaos habitantes das novas terras recém descobertas por Vasco da Gama, Colombo e Cabral, com o intuito de traduzir e divulgar as grandes obras do pensamento greco-romano. Desta forma, com o aperfeiçoamento da imprensa na primeira metade desse século e a difusão das grandes obras greco-romanas, provocou-se no homem da Renascença um deslumbramento pelo estudo e pela imitação da Antiguidade Clássica.

A criação do livro impresso, que foi uma consequência da criação da imprensa, acarretou maior dinamismo e maior ampliação na divulgação do conhecimento, gerando uma expansão e, até mesmo, sistematização do ensino das línguas clássicas[1] no contexto europeu. Nessemesmo momento havia na Europa um grande esforço no sentido de padronizar a educação, o que impulsionou a produção de material didático para o ensino das línguas, e deu início a produção de dicionários, gramáticas e a edição de livros de autores clássicos greco-latinos – com técnicas muito semelhantes às atuais (CHAGAS, 1957).

Com as mudanças políticas na Europa e o fortalecimento do espírito nacionalista, especificamente as mudanças ocorridas no século XVI, o ensino das línguas vernáculas[2]foi cada vez mais estimulado, dando início assim a uma ascendência dessas novas línguas sobre o latim, inclusive levando-o a sofrer uma recaída e, consequentemente, um menor prestigio. Deste modo, as línguas vernáculas se tornaram cada vez mais importantes e o latim, cada vez menos usado, principalmente, na oralidade.

Vale ressaltar que, no plano metodológico, o modo que se ensinava o latim prevaleceu da mesma idêntico ao que se ensinava os novos idiomas. Note-se que, nesse momento, ao invés de haver um avanço com o ensino das novas línguas houve um retrocesso, pois os professores, influenciados pela forma como se ensinava o latim, adotaram a mesma prática para ensinar as línguas vernáculas – francês, alemão, italiano, espanhol e inglês. Ao invés de as ensinarem de forma viva e prática, as ensinavam como se fossem “línguas mortas”.

Com essa mudança do status do latim, a partir do século XVI, esse idioma passou a ser ensinado em língua vernácula, ou seja, na língua que era utilizada pelos aprendizes para a comunicação. Além disso, as lições eram constituídas de frases isoladas, na língua materna, sempre escolhidasem função do conteúdo gramatical a ser ensinado pelo professor e memorizado pelos alunos. Esta maneira de ensinar ficou conhecida como Tradicional e, de acordo com Chagas (1957), esta forma de se ensinar permaneceu durante muito tempo em todo o mundo ocidental, cerca de três séculos, e com o passar dos anos o uso desse tradicionalismo se firmou cada vez mais.

Com a publicação do compêndio Gramática Prática da Língua Francesa, para aprendizagem Rápida, Simples e de Forma Totalmente Nova, do alemão Meidinger, em 1783, o Método Tradicional teve seu momento culminante. A obra de Meidinger defendia a tradução na língua estrangeira e a memorização de regras de gramática.

É importante salientar que apesar do Método Tradicional haver ganhado muito prestígio durante os séculos XV, XVI, XVII e XVIII, pairava na Europa, no decorrer desse mesmo período, vários questionamentos no que se referia a ensinar as línguas vernáculas embasada do mesmo modo que se ensinava o latim. Neste sentido, enquanto o Método Tradicional avançava, dúvidas em relação a ele eram suscitadas. Segundo Chagas (1957), durante a vigência deste Método, houve muitos movimentos reacionários a esta prática entre os professores e os estudiosos da época, principalmente, aqueles pertencentes a ciência pedagógica.

2. Cenário Brasileiro: Europa como pano de fundo

No cenário brasileiro as influências dos acontecimentos da Europa durante os séculos xv a xviiiforam muito evidentes, iniciando-se com a descoberta da colônia, visto que, de acordo com Chagas (1957), com a descoberta do Brasil houve uma transferência de valores portugueses, uma vez que o objetivo de Portugal naquele momento era manter o domínio dos países ibéricos por meio da exploração das riquezas brasileiras. Portugal transferiu para as novas terras os valores monárquicos rígidos da fé católica, da escravidão – os quais se mantinham por meio do isolamento da colônia através da proibição da imprensa e da não implantação de universidades. O ensino tradicional de línguas, o qual já se encontrava cristalizado na Europa, foi o que permaneceu vigente na colônia portuguesa durante muitos anos.

As línguas chegaram no país juntamente com os colonizadores europeus, no século XVI, sofrendo claramente a influência do ensino de línguas da Europa. Entretanto, o ensino formal das línguas no Brasil só se tornou efetivo a partir de 1549, com a chegada dos jesuítas, os quais foram os fundadores dos primeiros colégios do Brasil colonial. Antes de 1549, o que existia era a aquisição forçada do tupi pelos Jesuítas e do português pelos índios devido à necessidade de comunicação para a exploração por parte dos portugueses e a catequização dos índios.

 Nesse momento, houve o encontro de três línguas no Brasil Colônia: a língua geral (tupi), a língua portuguesa e o latim. As duas primeiras mantinham uma relação bastante próxima, já que os Jesuítas as utilizavam para a catequese. A terceira possuía um espaço mais restrito somente aos seminários e liturgias (ALMEIDA FILHO, 2010).

A ordem religiosa jesuítica no Brasil reinou durante 210 anos, de 1549 a 1759, neste último ano a Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil pelo Marquês de Pombal. Este, instituiu o português como língua única e formalizou pequenas mudanças no cenário das línguas: a inserção do ensino das línguas vivas[3] em detrimento as línguas clássicas, isto com a finalidade de estreitar as relações comerciais. Porém, mesmo com a expulsão dos Jesuítas, a educação no Brasil continuou seguindo os modelos jesuíticos, inclusive sem professores com formação adequada para continuar o projeto de desenvolvimento pretendido pelo então Marquês de Pombal (ALMEIDA FILHO, 2010).

Com a vinda da família real portuguesa para o país em 1808 e de acordo com a Decisão da Corte nº 29 de 1809, as línguas modernas deveriam ser ensinadas da mesma forma que se ensinava as línguas clássicas na Europa, envolvendo: leitura; tradução; e gramática, que era amplamente estudada e praticada.Apesar desta forma de ensinar línguas, conhecida como Tradicional, se mostrar em evidência também na Europa à época, naquela região já se percebia algumas reações a esta prática. Assim, enquanto a Europa esboçava oposição a essa maneira de ensinar que priorizava o estudo das regras gramaticais e do vocabulário da língua a ser aprendida para a tradução de textos, no Brasil se firmava cada vez mais esta forma de ensinar e a gramática ganhava maior espaço, sendo o grande foco na aprendizagem de uma língua no cenário nacional (CHAGAS, 1957).

Voltando ao movimento reacionário que ocorria na Europa contra o ensino tradicional, Chagas (1957) chama atenção para os grandes precursores dessas reações dos séculos XVI a XVIII: Lutero (1483-1556), Melanchthon (1497-1560), Montaigne (1533-1592), Comenius (1592-1670), Locke (1632-1704), entre outros.

Lutero situou as línguas logo no segundo lugar entre os objetivos da educação reformadora que pregava; devia-se aprendê-las não por meio de regras de gramática, e sim, com exercícios, exemplos e leituras. Melanchthon condenou o ensino do latim por meio exclusivamente gramatical. Montaigne, preconizava um método mais “natural”[4] para o ensino do latim (CHAGAS, 1957).

Comenius foi considerado por muitos como o fundador da didática das línguas enquanto disciplina científica autônoma (Germain, 1993 apud Chagas, 1957). Ele também elaborou seu próprio método de ensino e em 1638, ao publicar sua grande obra intitulada Didática magna, na qual trata de alguns princípios de didática das línguas – como o princípio da ordem natural, o sensualista e o princípio do prazer em se aprender através de jogos e sem castigos corporais – muito comuns na época. Para Comenius “as línguas são aprendidas através da prática, enriquecidas por regras de fácil compreensão” (Chagas, 1957, p. 30). Este último foi também o precursor da correspondência entre alunos de escolas em diferentes países e da obtenção de experiência linguística morando um período em um país em que falasse a língua-alvo.

Locke, por sua vez, entendia que ensinar uma língua consistia sobretudo em transmitir ao alunoa noção e o sentimento, os quais, para ele, somente se adquiriam no momento de uso da língua. Segundo este autor, todo o saber resulta dapercepção dos sentidos e da experimentação. Locke, não era a favor da memorização gramatical, pois defendia que essa prática não tinha outra função além de encher o estudante com regras, levando-o cair em emboscadas (Chagas, 1957, p. 33).

Almeida Filho (2010) acrescenta outro autor que também foi responsável por este movimento de reação ao ensino tradicional das línguas, seja explicitamente ou implicitamente, Gouin (1880, apud Almeida Filho, 2010). Frustrado por não conseguir aprender alemão por meio de vários métodos gramaticais em voga na época, Gouin introduziu as famosas sequências lógicas de eventos simples para o uso escolar.

Essas reações ocorridas na Europa durante os séculos XVI a XVIII, não influenciaram o ensino de línguas no Brasil neste mesmo período. Contudo, na Europa a ânsia de reforma se generalizava cada vez mais e iniciava-se no século XIX avanços na ciência pedagógica e, com isso, métodos particulares de ensino se proliferavam, tais como o natural – implantado pelas escolas Berlitz; o intuitivo; o de leitura; o fonético; e o psicológico, em todos se apresentavam evidentes características do tradicionalismo (CHAGAS, 1957).

Para Chagas (1957, p. 47),

mesmo com a ascensão dessesnovos métodos particulares, o que se tinha era uma noção bastante clara de que apenas a face exterior do processo didático se modificara, porque o seu conteúdo intrínseco guardara estreita conformidade com as linhas mestras do verbalismo renascentista.

Com a Revolução Industrial, a locomotiva e o navio a vapor encurtaram  as distâncias e, em consequência, intensificou-se o comércio e estreitaram-se as relações culturais entre os vários países e o contato entre indivíduos de várias nações mostrou-se possível e necessário.

Enquanto, por um lado, ocorria toda uma revolução no ensino de línguas na Europa, por outro lado, no Brasil – no período que compreende os anos de 1809 a 1930 – não havia mudanças relevantes no cenário das línguas. Os textos das línguas vivas continuavam sendo tratados da mesma forma como no ensino das línguas clássicas, objetivando a leitura, a tradução e a gramática.

O ensino que priorizava o uso das regras gramaticais e do vocabulário para a tradução de textos – que se mostrou em declínio na Europa devido às reações e ao surgimento das novas pedagogias de línguas, bem como da Revolução Industrial – foi crescentemente recusado como método explícito e desejável no Brasil depois de 1931, contudo, ainda hoje, se faz presente nas escolas, atualmente com uma roupagem nova, prevendo um ensino modificado em níveis mais superficiais (Almeida Filho, 2010).

Por volta dos anos 1900 um novo método surgiu na Europa e teve bastante repercussão. Este método foi chamado de Método Direto ou Método da Reforma – o qual requeria que o ensino do idioma estrangeiro se fizesse na língua alvo, visando transmitir ao aluno a posse real e efetiva da língua. O Método Direto chegou no Brasil em 1931, marcando profundamente o ensino das línguas e foi implantado com importantes contribuições de Antônio Carneiro Leão e Maria Junqueira Schmidt no Colégio Don Pedro II (Chagas, 1957).   De 1930 até meados da década de 70, a gramática foi o foco nas aulas de línguas, após este período houve novas reações. Entretanto, desta vez, as reações foram em direção a um ensino comunicativo.

considerações finais

A Europa nos fornece subsídios claros no que tange aos percalços encontrados hoje em nossa realidade quando falamos do ensino de línguas no Brasil. Desde o século XVI até meados do século XX, a metodologia predominante para ensinar línguas foi sempre um misto de tradução e gramática, mostrando-se presente até hoje na maioria das escolas brasileiras de ensino fundamental e médio.

A nossa dificuldadeem reagir ante as forças dominantes de Portugal, inclusive até depois de nossa independência, acarretaram profundas marcas em nosso passado e que todavia se refletem em nosso presente. A trajetória histórica escolar brasileira, a presença tardia da carreira para professores de línguas, a imprensa, a falta de bibliotecas, o isolamento do país, as dificuldades na aquisição de um livro, a pouca mobilidade dos profissionais de línguas são alguns dos fatores que contribuíram para a presente realidade.

Entretanto, houve também em nossa história alguns momentos vibrantes no que se refere ao ensino de línguas, porém devido ao nosso passado colonial eles não obtiveram tanta expressão.

Espera-se com esse trabalho proporcionar ao profissional envolvido com o ensino e aprendizagem de línguas subsídios para a reflexão acercadas medidas adotadas queinterferiram e que ainda interferem no ensino de línguas brasileiro. De acordo com Almeida Filho (2010), estes conhecimentos de história são muito relevantes também para a compreensão de nossa identidade, pois nosso passado nos diz como construímos nossas práticas, nossas crenças e ainda nos propiciam uma perspectiva para futuras mudanças.

Referências

  • ALMEIDA FILHO, J.C.P. Linguística Aplicada, Ensino de Línguas e Comunicação. Campinas: Pontes Editores & ArteLíngua, 2007.
  • ______. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes Editores, 6ª edição, 2010.
  • CHAGAS, V. Didática Especial de Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 3ª Edição, 1957.
  • CORDEIRO, S. Gramáticas e o ensino das línguas portuguesa e autóctones no Brasil colônia. Revista HELB, vol. 03, n. 3, 2009.Disponível em: <http://www.helb.org.br>. Acesso em: 14 de dezembroo de 2014.
  • LEFFA, V.J. Ensino de Línguas: passado, presente e futuro. Revista dede Estudos da Linguagem, v. 20 n. 2, jul/dez 2012, p. 289-411.
  • OLIVEIRA, L.E. e CARDOSO, J.E.J.Considerações sobre o ensino de línguas no Brasil: da instituição do método direto a primeira versão da LDB. Revista HELB, vol. 03, n. 3, 2009.Disponível em: <http://www.helb.org.br>. Acesso em: 15 de m013.


[1]
           As línguas clássicas, também chamadas línguas mortas, incluem o latim e o grego. 

[2]           Línguas vernáculas referem-se àquelas próprias de cada país.

[3]           Identificava-se como línguas vivas aquelas que apresentavam circulação e uso no mundo à época, tais como o francês, o italiano e o inglês, também nomeadas línguas modernas.

[4]          Montaigne imaginava um tipo de preceptor ideal, cuja missao seria inculcar no espirito do aluno a formação de juízos e raciocínios, era contra a educação puramente livresca e a favor de um estudo mais vivo calcado na realidade.