Ano 8 - Nº 8 - 1/2014

A Institucionalização do Ensino de Francês no Brasil (1808-1837)

Resumo

Este artigo investiga a institucionalização do ensino de Francês na América Portuguesa no processo de formação do Estado do Brasil. Buscamos fazer um breve histórico da implantação da Língua Francesa como matéria de ensino desde a vinda da família real, em 1808, até a fundação do Colégio de Pedro II, a primeira instituição de instrução secundária do país, em 1837. O ensino das línguas estrangeiras no século XIX, sobretudo da língua francesa, era a única via de acesso ao moderno conhecimento científico produzido na época. Portugal, desejoso da modernização do reino e de seus domínios, promoveu uma reformulação de suas leis, inaugurando o que o povo luso-brasileiro viveu do fenômeno cultural conhecido por Iluminismo.

Palavras-chave: ensino de línguas, história da educação, língua francesa.

Abstract

This article investigates the institutionalization of the teaching of French in Portuguese America in the formative process of Brazilian State. We tried to sketch a brief historical narrative about the implantation of the French language as a subject matter since the coming of the Real Family, in 1808, until the foundation of Colégio de Pedro II, the first institution dedicated to secondary instruction in the country. The teaching of foreign languages in the XIX century, especially of French, was the only way to get in touch with the scientific knowledge of the period. Portugal, wanting to modernize the kingdom and its colonies, promoted a reformulation of its laws, inaugurating what the Portuguese and Brazilian people lived of the cultural phenomenon known by Ilustration.

Keywords:teaching of languages, history of education, French language.

A governação pombalina

No Brasil, então metrópole portuguesa com a vinda do Príncipe Regente D. João (1767-1826) e sua Corte para a cidade do Rio de Janeiro, a aplicação e desenvolvimento do plano de ação do governo tinha na educação de seu povo um dos braços de ação da organização do Estado do Brasil. Tal educação era orientada pela diretriz iluminista de perfectibilidade humana, de aprimoramento do ser que se instrui, e teve como personagem central  o então ministro plenipotenciário do reinado de D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782).

O Marquês de Pombal é, sem dúvida, o representante principal do despotismo esclarecido em Portugal. Com uma política autoritária em seus objetivos, o ministério pombalino teve como legado, entre muitos feitos, a reforma do sistema educacional português à luz das orientações iluministas:

[...] a governação pombalina impõe-se como uma ruptura sem precedentes na história portuguesa, uma vez que propôs mudanças estruturais, com destaque para sua reforma da instrução pública que, ao estatizar o ensino e institucionalizar a profissão docente, teve um papel pioneiro na Europa (OLIVEIRA, 2010, p. 44).

A historiografia nos diz que o Iluminismo propagou-se por todos os países europeus. Também nos orienta quanto às diferentes intensidades e modos de disseminação do  ideário iluminista (ANDRADE, 1978). A península ibérica, e tratamos aqui especificamente de Portugal, viveu um Iluminismo considerado por muitos como incompleto ou imperfeito. Mesmo sendo o mais próximo daquilo que viveu Portugal do movimento iluminista, o governo de Pombal e sua legislação eram vistos como atrasados se comparados com a modernidade francesa:

[...] Alguns historiadores consideram-no (o Iluminismo português) até canhestro, dado o grau de atraso de Portugal em relação às grandes nações europeias, visível pelos viajantes, segundo suas narrativas, principalmente nos traços religiosos, eu se mostravam enraizados na mentalidade e nos costumes do povo lusitano, algo eu se evidenciava em sua arquitetura e até em sua indumentária (OLIVEIRA, 2010, p. 19).

Como ministro de D. José I, suas medidas foram tomadas não apenas no campo da educação mas também nos âmbitos político, econômico e filosófico como uma tentativa de afirmação da autoridade nacional. Peças legislativas do período pombalino discorriam sobre a administração religiosa e eclesiástica, sobre as atividades empresariais e a autoridade real na criação de impostos, sobre a nova estrutura de segurança do Estado e a criação de um novo corpo militar, bem como sobre a estruturação de um novo sistema de educação pública para substituir o ensino dos jesuítas.          Todas essas medidas estavam encerradas em um grupo de leis públicas codificadas e sistematizadas nomeadas hoje de legislação pombalina. Desse modo, o “pombalismo” apresenta-se muito mais como um denominador comum de opiniões correntes, antes e durante os anos de seu governo, integradas no protagonismo de um ministro que buscou realizar, na prática, mediante o seu poder legiferante, os ideais e aspirações de caráter político, econômico, pedagógico e cultural de muitos intelectuais setecentistas.

Com as reformas pombalinas, Portugal e seus domínios viveram a corporificação do Iluminismo com medidas como a abolição da escravatura em Portugal e uma política imperialista aplicada no Brasil de miscigenação para o aumento da população; a moderna reconstrução da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755; a redução do poder da Inquisição, passando esta a ser controlada agora pelo governo; a racionalização e padronização da administração e organização militar e o treinamento educacional sob a alçada do Estado; a reforma da Universidade de Coimbra com um novo corpo de funcionários ilustrados; a reforma do sistema educacional e a secularização da educação, a padronização do currículo e o ensino da língua portuguesa como idioma oficial e meio de integrar as comunidades nativas no Brasil, bem como do emprego da pedagogia dos oratorianos[1] e da obra de Verney.[2] Mas são a secularização da educação e a utilização de textos profanos na instrução de seu povo as medidas inovadoras que caracterizaram a administração do Marquês de Pombal na esfera educacional.

O ensino de francês na América portuguesa

No período pombalino a Língua Francesa foi objeto de legislação, sendo seu conhecimento indicado e depois exigido nos estabelecimentos destinados à instrução militar. O extenso litoral brasileiro vivia constantemente ameaçado por invasores estrangeiros, o que exigia da Coroa uma política de fortificação e de fechamento de suas fronteiras. O bom treinamento dos oficiais militares e a construção de fortes em suas possessões ultramarinas foram medidas da ação de Pombal para inibir as ações dos povos inimigos.

Para a instrução desses oficiais, foi feita uma primeira tentativa de criação de uma Aula de Fortificações no Brasil datada do ano de 1699, mas que em 1710 ainda não havia sido iniciada, pois tinha como principal obstáculo para sua realização a falta de livros escritos em língua portuguesa, sendo a maioria deles escritos em idiomas estrangeiros, especialmente Francês. Em 19 de agosto de 1738, uma Ordem Régia tornou a instrução militar obrigatória a todos os oficiais, os quais não poderiam mais ser nomeados ou promovidos sem que tivessem aprovação na Aula de Artilharia e Fortificações. Houve, então, a necessidade do ensino da Língua Francesa na instrução militar da Colônia.

Alguns anos antes, dois professores haviam pedido Licença para a abertura de Aulas Públicas de Língua Francesa, tendo seus requerimentos aprovados com base em Provisões válidas pelo período de um ano. A primeira delas foi concedida “em utilidade do bem público” a Francisco José Luz, em 23 de julho de 1788. Já a segunda Provisão, concedida nos mesmos termos da primeira, foi passada a João José Tascio um ano depois, em 18 de março de 1789 (OLIVEIRA, 2006). Acredita-se que estas aulas funcionavam como uma espécie de curso preparatório para o ingresso do alunato nas instituições de orientação militar criadas no Brasil, então Colônia Portuguesa.

Nessa época, os estabelecimentos de instrução militar tiveram importância fundamental na divulgação e aplicação dos modernos conhecimentos científicos, que eram representados pelas Matemáticas e pelas Ciências Físicas e Naturais. O ensino de Francês, nessas condições, justificava-se como um instrumento de acesso ao conhecimento científico, pois os compêndios mais atualizados estavam escritos, em sua maioria, em Francês. O discurso da legislação pombalina para a instrução visava, dessa forma, a formação do cristão útil aos propósitos do soberano, ou seja, a formação utilitarista do seu povo. A educação de orientação iluminista era encarada como uma via de progresso na vida com o uso da razão guiando todas as ações humanas.

O ensino de Francês e a instrução militar

Como vimos, o gabinete de D. José I, representado pela figura de Pombal, foi o mais próximo do que Portugal viveu das Luzes europeias. O ministro buscou, então, modernizar o estado português, reformulando um dos setores mais estratégicos para o seu almejado progresso: as Milícias de Terra e Mar, e a opção que se fez foi pela formação do “perfeito militar”. O grau de perfeição, no entanto, conforme o entendimento do governo, confundia-se com o de nobreza, fazendo com que as Luzes advindas da instrução militar se restringissem a certas “classes de pessoas”, na tentativa de promover uma espécie de nobreza militar adaptada às exigências do século.

A primeira medida para a criação de uma instituição com o perfil de instrução militar foi a promulgação da Carta de Lei de 7 de março de 1761, que criou na cidade de Lisboa uma instituição de diretrizes militares que possuía em seu Plano de Estudos o ensino da Língua Francesa como disciplina. O Colégio Real dos Nobres, antigo Colégio das Artes dirigido pelos Jesuítas, era uma instituição de reconhecido rigor e qualidade do ensino oferecido. Aberto oficialmente em 19 de março de 1766, a nova instituição trouxe novidades em seu Plano de Estudos como o ensino de elementos das Matemáticas, Astronomia e Física.  Já às matérias usuais do ensino das Humanidades estavam recomendados os estudos das Línguas Francesa, Italiana e Inglesa.

Não sendo conveniente que os Collegiaes antes de acabarem a Rhetorica, e se acharem preparados com as Noções que deixo ordenadas, se embaracem com diferentes aplicações; nem que sejam privados da grande utilidade, que podem tirar dos muitos, e bons livros, que se achão escritos nas referidas Linguas: Ordeno que o Collegio pague a três Professores para as ensinarem: E que os Collegiaes depois de haverem passado as Classes de Rhetorica, Logica, e Historia, aprenderão pelo menos as Linguas Franceza, e Italiana; ainda que será mais útil aos que forem mais capazes, e estudiosos procurarem possuir também a Lingua Ingleza (PORTUGAL, 1830, p. 781-782)

Quanto ao método de ensino, prescrevia-se o uso repetido de exercícios práticos de “viva voz”, devendo ser poupadas em seus excessos as explicações gramaticais. Os compêndios seriam, ao mesmo tempo, úteis e agradáveis, além de “corretos”, e os professores, embora não precisassem residir no Colégio, como os das outras matérias, haveriam de ter “louváveis costumes”. Aconselhava-se que as “conversações familiares” fossem feitas na Língua Portuguesa, Francesa, Italiana ou Inglesa, sendo proibido o Latim, por seu caráter ornamental de Língua Clássica, incompatível com um século de progresso material.

Para a admissão dos alunos, estes deveriam ser qualificados com o foro de “moço fidalgo”, além de saber ler e escrever, tendo no mínimo sete e no máximo treze anos de idade, e pagar anualmente uma pensão de 120.000 réis, em duas parcelas. O ingresso dos colegiais dava-se mediante petição ao rei, com indicação da filiação, nacionalidade e idade. Com o propósito de formar estadistas para o trabalho do governo do soberano, os alunos que concluíssem os estudos seriam admitidos às matrículas dos cursos superiores sem dependência de exames e com preferencia nos empregos e lugares públicos.

A primeira cadeira pública de Língua Francesa

Em 7 de abril de 1808, no mês seguinte à chegada de D. João e sua corte na cidade do Rio de Janeiro, foi nomeado com o Decreto de 13 de abril de 1808 Renato Pedro Boiret como Professor de Língua Francesa na recente metrópole da Coroa Portuguesa. O Professor, que era Presbítero Secular em Portugal e exercia o magistério no Colégio Real dos Nobres em Lisboa, fixara residência no Brasil juntamente com toda a Corte Portuguesa, que se evadiu dos ataques napoleônicos tomando o Brasil como uma boa rota de fuga.

Esta nomeação foi provisória, pois somente no dia 14 de julho de 1809 era publicada a Decisão de n. 29, que criou uma Cadeira Pública de Aritmética, Álgebra e Geometria, uma de Língua Francesa e outra de Língua Inglesa na cidade do Rio de Janeiro. Um dos tópicos do documento oficial fazia referência à “matéria de ensino” das Línguas Francesa e Inglesa, no qual o  legislador obrigava os professores a ditarem suas lições pela Gramática que fosse “mais bem conceituada” enquanto não formalizassem uma de sua composição (BRASIL, 1811).

A orientação era a elaboração, pelos Professores das respectivas matérias de ensino, dos Compêndios escritos em língua vernácula. Outra opção oferecida pela lei era a tradução das obras escritas em línguas estrangeiras, sobretudo francesa ou inglesa, para a língua portuguesa.     Estes compêndios deveriam habilitar seus discípulos “na pronunciação das expressões, e das vozes das respectivas línguas”, adestrando-os em “bem fallar e escrever”, para o que deveriam servir-se dos “melhores modelos do século de Luiz XIV”. Nas traduções dos “lugares” – isto é, trechos ou passagens de determinado livro ou autor –, os alunos haveriam de conhecer “o genio, e idiotismo da lingua, e as bellezas e elegancias della, e do estyllo e gosto mais apurado e seguido”, e na escolha dos livros, seriam preferidos os de “mais perfeita e exacta moral”, usando-se para comparação com a Língua Pátria “os autores classicos do seculo de quinhentos” que melhor reputação tivessem entre os “litteratos” (Brasil, 1891).

As referências bibliográficas mais modernas estavam escritas em língua francesa pois a França e os seus Philosophes assumiram para a historiografia o papel de carro-chefe na divulgação e desenvolvimento dos ideais proclamados pelo Iluminismo.  A aristocracia intelectual ocidentalizada desejava desta forma a “delicadeza, a cortesia, a cultura, a alegria de viver” francesas (HAZARD, 1971, p. 53). Imitando a sua manière de vivre,  a apropriação de sua língua francesa por terceiros tornou-se regra nas cortes assumindo, então, a língua francesa o status de língua universal.

A lei de 1809 trazia para o ensino das línguas estrangeiras um componente antes restrito ao estudo da Gramática Latina, bem como da Retórica e Poética: o “escrever”, isto é, os exercícios de composição, além do “bem fallar” e das práticas de leitura e tradução. A recomendação da lei era de que fossem escolhidos os livros de “mais perfeita e exacta moral”, numa linguagem adaptada aos interesses da mocidade, sugerindo-lhe de maneira suave uma grande variedade de deveres morais, além de passagens das Sagradas Escrituras, para excitar o gosto e a veneração das regras da vida.

A utilização pedagógica da literatura pagã, sobretudo de textos escritos em língua francesa, em substituição às sagradas escrituras escritas em latim fazia parte da transformação que o movimento iluminista propunha para a educação, tendo o latim um caráter de língua ornamental. Ao lado dos versículos e passagens bíblicas, esboços biográficos de reis e trechos de discursos políticos compunham as referências a serem utilizadas na instrução da juventude. Clássicos gregos, especialmente Demócrito (460-370) e Heráclito (535-475), e romanos, sobretudo Cícero (106-43) eram os mais recomendados aparecendo também John Locke (1632-1704), John Milton (1608-1674) e Pierre Bayle (1647-1706) como os representantes da literatura do “século de Luiz XIV”.

Diante do imperialismo da Língua Francesa na Europa, é interessante salientar que, caso o primeiro professor da Cadeira de Inglês da Corte não fosse falante nativo da Língua, o mesmo poderia fazer uso de Gramáticas Inglesas escritas em Francês, meio bastante comum, à época, de se aprender a Língua Inglesa, uma vez que a Língua Francesa era quase uma “lingua franca” na Europa.

Ainda no ano de 1809 foram promulgadas cartas de nomeação dos professores das Línguas Francesa e Inglesa. Com o ordenado de 400$000 réis por ano, assim dispunha a Carta de nomeação do professor de Língua Francesa: “a língua francesa sendo a mais difundida e, por assim dizer, universal, a criação de uma cadeira dessa língua é muito necessária para o desenvolvimento e prosperidade da instrução pública” (ALMEIDA, 2000, p. 42).

Boiret, ao que parece, se manteve no exercício de suas funções de Professor Público de Francês até 1817, quando, por Carta Régia de julho, foi nomeado o reverendo Luiz Carlos Franche para substituí-lo, em virtude de sua demissão, com o mesmo ordenado de seu antecessor. (BRASIL, 1890).

As Cadeiras de Língua Francesa das Províncias do Império

Durante o governo de D. Pedro I (1822-1831), duas foram as principais iniciativas em matéria de Instrução Pública: a Lei de 11 de agosto de 1827, que fundou dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais do Império, um na cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda, e a Lei de 15 de outubro do mesmo ano, que criava Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império.

Com a instituição dos Cursos Jurídicos, a preocupação dos parlamentares voltou-se para as Aulas Preparatórias. A criação de Cadeiras e o provimento de seus professores na ocasião da expansão da Instrução motivaram muitos discursos sobre a necessidade de leis específicas que regulassem a qualificação necessária, o ingresso e o ordenado dos profissionais docentes, bem como as localidades em que deveriam ser providos.

Com relação aos Cursos Jurídicos, foi desse ano a Lei de 26 de agosto, assinada pelo Visconde de Alcântara, Ministro da Justiça, concedendo favores – dentre eles a não exigência dos Exames de Preparatórios – aos estudantes brasileiros que regressassem da Universidade de Coimbra e Escolas de França. Mas foi somente a partir de 1831, durante o exercício dos gabinetes formados pelas Regências, que as primeiras Cadeiras de Língua Francesa foram criadas em diversas Províncias (Oliveira, 2006).

Manoel Jose de Souza França, Ministro e Secretário dos Negócios da Justiça, encarregado interinamente dos do Império, assinou em 7 de julho de 1831 o primeiro Decreto dessa natureza, criando três Cadeiras na capital da Província da Paraíba: uma de Retórica, Geografia e Elementos de História; uma de Filosofia Racional e Moral e outra de Língua Francesa.   No dia 25 do mesmo mês e ano, outro Decreto assinado pelo mesmo ministro criou na cidade de Fortaleza, capital da Província do Ceará, as cadeiras de Filosofia Racional e Moral, Retórica, Geometria e Língua Francesa. Em 11 de novembro de 1831, três Decretos regulam a mesma matéria. O primeiro e mais extenso estabelecia “aulas de ensino” da Língua Francesa na capital e vilas mais populosas de cada uma das Comarcas da Província da Bahia. O artigo segundo dispunha sobre o provimento dos professores, os quais deveriam ser nomeados da mesma forma como o eram os de Primeiras Letras, de acordo com a Lei de 15 de outubro de 1827, e o terceiro e último ordenava que um ano depois da criação das Aulas de Língua Francesa nenhum aluno seria admitido às dos Estudos Maiores “sem prévio exame, e attestado de corrente no conhecimento necessario da sobredita lingua”. O segundo Decreto criou uma Cadeira de Língua Francesa na capital do Maranhão. O terceiro Decreto, finalmente, fazia valer a todas as Províncias a disposição do Decreto de 25 de junho daquele mesmo ano, autorizando a criação de Cadeiras na Província do Ceará (BRASIL, 1836). A criação de uma Cadeira de Língua Francesa na Província do Piauí se deu somente no ano de 1832 e outra Cadeira de Francês – juntamente com as de Retórica e Aritmética, Geografia e Álgebra – foi criada na Vila de Campos, Província do Rio de Janeiro, pelo Decreto n° 45, de 30 de agosto de 1832.

Em 1834, sai a Lei n° 16, de 12 de agosto, que, reformando a Constituição de 1824, ficou conhecida como Ato Adicional. O artigo 10, que versa sobre a competência legislativa das Assembleias Provinciais, estabelecia no parágrafo segundo que às Províncias era dado legislar sobre a Instrução Pública e Estabelecimentos próprios a promovê-la, excluindo de sua competência as Faculdades de Medicina, os Curso Jurídicos, Academias e demais instituições que no futuro fossem criadas por Lei Geral (BRASIL, 1866). Embora o Ato Adicional de 1834 seja tido como um marco a partir do qual começam a aparecer nas Províncias as primeiras tentativas de reunião de Aulas Avulsas em Liceus ou Ateneus, já em 1827 um projeto de lei já visava a criação de “cursos de estudos elementares” em cada Província do Império com Cadeiras que incluíam as matérias exigidas nos Exames Preparatórios aos Cursos Jurídicos.

Baseada em relatório do poeta e professor do Colégio de Pedro II, Gonçalves Dias (1823-1864), encarregado de inspecionar o estado da Instrução Pública das Províncias do Norte em 1851, Haidar (1972) afirma que os Liceus Provinciais, ao serem criados, “nada mais eram do que um aglomerado de aulas avulsas funcionando em um mesmo edifício”, conservando essa estrutura até a década de cinquenta.

O Decreto de 2 de dezembro de 1837, ao converter o Seminário de S. Joaquim do Rio de Janeiro em “collegio de instrucçao secundaria”, parecia fazer uma opção por este termo específico, em contraposição a Liceu ou Ateneu, como nota Gasparello (2004), pois no ano anterior o Ministro do Império, em seu relatório apresentado à Assembleia Legislativa, propunha a criação de um Liceu na Corte, onde fossem “reunidas as Escolas, e fixados os Compendios, assim como a disciplina economica, e tudo debaixo das vistas de hum Director”, no intuito de preparar a mocidade para as “Escolas Maiores” (BRASIL, 1836).

Para Gasparello (2004), o governo teria que optar pelo termo “Colégio” porque “Liceu”, tinha o sentido de “aula de ensino científico”, o que associava o Estabelecimento a uma concepção moderna e republicana, diferentemente de “Colégio” que designava uma cultura clássica e “desinteressada”.  Tal distinção, no entanto, não se aplica ao caso brasileiro, se considerarmos as Aulas de “ensino científico” dos Colégios Militares criados durante os períodos pombalinos e joanino, cujo modelo era o Colégio Real dos Nobres de Lisboa, inspirado na Escola Real Militar de Paris, estabelecida já em 1751.

Algumas considerações

Como se vê, a institucionalização do ensino de língua francesa no Brasil comporta, cronologicamente, o governo joanino e do seu filho e sucessor, D. Pedro I, bem como o período regencial, estendendo-se até o ano em que foi criado o Colégio de Pedro II e instituída a Instrução Secundária no país. A Língua Francesa, nesse período, tem uma finalidade eminentemente instrumental, uma vez que seu estudo se justifica como instrumento de acesso a um conhecimento tido então como “scientifico”, e que era professado, às vezes por Lentes estrangeiras e quase sempre por Compêndios escritos em Língua Francesa, nas Academias Militares, nos Cursos Médico-Cirúrgicos, nas Aulas de Comércio e Agricultura e depois nos Cursos Jurídicos, centros formadores da Sociedade Civil, ou da elite local, que excluía todos os que não fossem “cidadãos”: os escravos e os homens livres e despossuídos.

Embora a Decisão n. 29, de 14 de julho de 1809, que criou as primeiras Cadeiras Públicas das Línguas Francesa e Inglesa no país, ao dispor sobra sua “materia do ensino”, mandasse que os Professores habilitassem seus discípulos em “bem fallar e escrever” pelos “melhores modelos do seculo de Luiz XIV” e em conhecer, nas traduções, “o genio, e idiotismo da lingua, e as bellezas e elegancias della, e do estylo e gosto mais apurado e seguido”, sugerindo assim uma espécie de aboragem estética ou literária no ensino daquelas Línguas, algo provavelmente alcançado pelas professoras ou governantas estrangeiras, que se propunham, nos anúncios de jornais da época, a educar as filhas de famílias abastadas, instruindo-lhes também no Francês ou Inglês, a criação das Cadeiras destas Línguas atendia à necessidade que tinha o governo joanino de preparar candidatos aos estudos tidos então por “maiores”, ou superiores, os quais exigiam que o aluno soubesse traduzir pelo menos o Francês para cursá-los.

Referências

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  • BRASIL. Colecção das Leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
  • GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo: Iglu, 2004.
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  • OLIVEIRA, Luiz Eduardo. A instituição do ensino das Línguas Vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809-1890). Tese de Doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006, pp. 79-80. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2255>
  • OLIVEIRA, Luiz Eduardo Oliveira (org.). A legislação pombalina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira (1757-1827). Maceió: EDUFAL, 2010.
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  • PORTUGAL. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações oferecida a El Rei Nosso Senhor pelo Desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: na Typ. de L. C. da Cunha, 1830.


[1]
              Os oratorianos propunham a simplificação das regras gramaticais, a suavidade e a brandura no modo como tais regras seriam incutidas nos discípulos e, o mais importante, que a gramática latina fosse ensinada em português.

[2]              A obra O verdadeiro método de estudar (1746), de Luís Antônio Verney, de orientação oratoriana, é um manual eclético de lógica, método de ensino de gramática pelo português, livro sobre ortografia e tratado de metafísica.